Divulgação | Sony Pictures |
• Por Alisson Santos
Em Ladrões, Darren Aronofsky faz uma guinada inesperada em sua carreira, ao trocar a densidade psicológica e a carga simbólica que marcam sua filmografia por um thriller urbano de feição clássica. Adaptado do romance de Charlie Huston, que também assina o roteiro, o longa assume um tom mais direto, próximo do noir noventista, onde o caos nasce de uma premissa aparentemente banal; cuidar de um gato.
O primeiro aspecto que salta aos olhos é a estética. Aronofsky, historicamente afeito a closes claustrofóbicos e a uma montagem fragmentada (Réquiem para um Sonho, Cisne Negro), aqui opta por uma mise-en-scène mais limpa, quase documental, ancorada na recriação minuciosa de uma Nova York pré-11 de setembro. O design de produção se mostra fundamental; ruas grafitadas, bares esfumaçados e pequenos detalhes de época — cartazes, murais, telefones públicos — funcionam não apenas como ambientação, mas como ecos de uma cidade em transformação, prestes a perder a inocência.
Narrativamente, Ladrões opera no registro episódico. Austin Butler interpreta Hank, bartender que vê sua vida ruir quando um gato aparentemente inofensivo se revela a chave para milhões de dólares disputados por diferentes facções criminosas. Butler encontra em Hank uma oportunidade de desconstruir a imagem moldada por Elvis. Sua atuação, contida e vulnerável, escapa da grandiloquência; é um corpo em desgaste, um rosto que acumula medo, exaustão e trauma. Se em Clube dos Vândalos sua presença se diluía, aqui ele sustenta sozinho o arco dramático, ainda que a própria estrutura do roteiro não lhe ofereça terreno inteiramente sólido.
O filme articula bem a tensão com momentos de ironia. Aronofsky, em vez de mergulhar em um inferno psicológico — sua zona de conforto —, prefere explorar a ironia do absurdo; uma guerra entre máfias e policiais corruptos detonada pelo cuidado com um felino. A cada corte que retorna ao gato, o diretor desestabiliza qualquer impulso moralizante e reforça a arbitrariedade do destino. Essa escolha afasta Ladrões de leituras metafísicas e o ancora no terreno mais sujo e contingente do crime urbano.
Divulgação | Sony Pictures |
Tecnicamente, os confrontos são coreografados com eficiência, privilegiando a brevidade e a contundência. Não há estilização da violência; ela surge como choque, propulsionando Hank de um beco para outro, num fluxo de perseguições que mantém a narrativa em estado de alerta. Contudo, a estrutura episódica cobra seu preço; muitas sequências de ação parecem funcionar mais como set-pieces isolados do que como progressão orgânica. No terceiro ato, o excesso de reviravoltas — traições, revelações tardias — resvala no genérico, mais obediente às convenções do gênero do que ao rigor autoral que se espera de Aronofsky.
Ainda assim, há um gesto autoral na obsessão que permeia o filme. Se antes ela recaía sobre indivíduos autodestrutivos (O Lutador, Mãe!), aqui é a própria Nova York que surge como objeto de reconstrução nostálgica. A cidade, vista em 1998, é a personagem invisível que orienta todos os conflitos, como se Aronofsky buscasse reencenar um tempo perdido através do cinema de gênero.
Ladrões é, portanto, um filme de transição. Não atinge o vigor formal de seus trabalhos mais radicais, tampouco se entrega por completo ao pastiche do thriller noventista. Fica no meio-termo; sólido, eficiente, mas não memorável. Sua nota de rodapé na filmografia de Aronofsky será a tentativa de respirar em outro território estético. E ainda que imperfeito, há algo de instigante nesse movimento de deslocamento — ver um diretor conhecido por sua intensidade testar o minimalismo narrativo é, em si, um exercício de risco.
Ladrões já está disponível nos cinemas.
Avaliação - 7/10
Pra quem gosta de filme de ação, é muito bom. Frenético, com uma pitada de comédia e uma trilha musical bacana.
ResponderExcluir