Divulgação | Paris Filmes |
• Por Alisson Santos
Bailarina é, antes de qualquer coisa, um ritual de violência transfigurado em espetáculo visual. Herdeiro direto do universo John Wick, o filme reverencia a brutalidade como coreografia, onde cada golpe é uma linha traçada no espaço, cada disparo uma nota dissonante em uma partitura que soa como vidro quebrando, ossos rachando e respirações ofegantes no limite da exaustão.
O grande mérito da obra está justamente na maneira como adapta esse balé da destruição à fisicalidade feminina. A protagonista não tenta competir com a força bruta de seus equivalentes masculinos. Pelo contrário, ela compreende suas limitações físicas e, ao invés de enfrentá-las de frente, as converte em vantagem. Ela usa o ambiente como uma extensão do próprio corpo, movendo-se com uma inteligência predatória que transforma objetos cotidianos em armas, cantos escuros em armadilhas, e o espaço em território letal. E seria justamente aí que Bailarina encontraria sua grandeza, na aceitação pura, imoral e estética da vingança como motor narrativo e existencial. Mas o filme vacila. E vacila feio.
Na ânsia quase desesperada de revestir sua protagonista de uma suposta nobreza, o roteiro insere uma criança, um elemento absolutamente artificial, tão funcional quanto descartável, que serve apenas para maquiar a natureza da jornada. A mensagem subliminar é clara, incômoda, e até ofensiva na sua obviedade; “Ela não mata apenas por vingança... ela mata por algo maior. Ela mata por inocência. Por amor. Por proteção.” Como se a vingança, por si só, não fosse suficiente. Como se o desejo de reparação, dor e destruição precisasse ser higienizado, legitimado, canonizado.
O cinema de ação, especialmente aquele que flerta com o niilismo elegante da ultraviolência, nunca precisou pedir desculpas. E quando pede, trai sua própria essência. Ao inserir essa criança, o filme não apenas tenta purificar a protagonista, mas também alivia a culpa do espectador, como quem diz: “Vocês podem se deleitar com essa coreografia de mortes, desde que saibam que é tudo... por uma boa causa.” É uma concessão covarde, que subestima tanto o gênero quanto seu público.
Divulgação | Paris Filmes |
Mas, paradoxalmente, é quando esquece essa pretensão moralizadora que Bailarina atinge seu auge. Nas sequências em que a câmera se liberta da obrigação de justificar, o filme se aproxima do sublime. A violência torna-se abstrata, hipnótica, quase bela. O sangue respinga em paredes iluminadas por neons decadentes. Cada movimento é calculado até a exaustão, não para parecer real, mas para ser estilizado, exagerado, teatral. A montagem dilata o tempo, congela impactos, alonga a dor, e faz disso um espetáculo.
O som colabora nessa construção; disparos ecoam como tambores, ossos partidos soam como madeira seca estalando no fogo. E, nesse balé mórbido, a protagonista não é heroína, nem vilã. É apenas uma força. Um vetor de destruição que não precisa, nem deveria precisar, de desculpas.
Bailarina, portanto, é um filme que vive dividido. De um lado, a obra que poderia ser; livre, suja, amoral, gloriosamente cínica. Do outro, a obra que escolheu ser; moderada, ansiosa em agradar, incapaz de confiar na potência simbólica da vingança como motor narrativo suficiente. E é nessa fratura que o filme se revela, tanto em sua beleza formal quanto em sua fraqueza conceitual.
No fim, fica claro; a verdadeira batalha de Bailarina não se dá no campo da violência, que domina com maestria, mas no campo da coragem narrativa, onde, infelizmente, ela hesita, recua e se rende.
O filme estreia hoje nos cinemas.
Avaliação - 6/10
Comentários
Postar um comentário