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• Por Alisson Santos
No infinito em que as linhas do tempo se estendem, o conceito de ser é, na verdade, uma deformação. Kael, ou melhor, os Kaels, não eram um ser, mas um conjunto de possibilidades que se cruzavam, se fragmentavam e se refaziam a cada escolha, com cada gesto, com cada pensamento. Em cada ponto da realidade, ele era um reflexo de algo maior, mas nunca completo. Uma verdade incerta, uma identidade dividida, presa na teia de todas as outras versões de si mesmo.
Kael não sabia que as versões dele não eram apenas ramificações. Elas eram realidades alternativas que, em algum momento, haviam se tornado conscientes de sua própria multiplicidade. Elas sabiam que, ao se observarem, estavam se anulando. Que ao reconhecerem o outro, estavam negando sua totalidade. Não existia um Kael único. Havia vários, mas nenhum deles era verdadeiro, porque a verdade, como toda essência humana, era algo que se diluía a cada nova ramificação. A verdade nunca é uma. A verdade é uma rede. A questão não era se ele poderia se encontrar. A questão era; o que acontece quando a busca pela totalidade se torna uma obsessão?
KAEL, O IMPERFEITO
Na primeira linha do tempo, Kael é o filósofo, mas não o tipo de filósofo que pondera sobre o ser com calma. Não. Ele é o tipo de pensador torturado, em busca incessante por uma lógica que una todas as coisas, uma equação que resolva a questão do infinito. Ele considera a identidade não como algo intrínseco, mas como uma construção, uma máscara que o mundo impõe para evitar o abismo do caos absoluto. Sua obsessão por essa verdade se torna destrutiva. Ele começa a destruir suas próprias ideias, seus próprios pensamentos, à medida que as examina, como se o pensamento não fosse mais capaz de suportar seu próprio peso.
"Ser não é ser, ser é não ser. Cada pensamento meu é um passo em direção à ausência."
Essa frase, sua última confissão escrita antes de sucumbir ao próprio labirinto de sua mente, ecoa como um grito na escuridão das outras realidades.
KAEL, O DESTRUIDOR
A versão mais perigosa de Kael é, sem dúvida, Kael, o Destruidor. Este Kael nasceu não de uma busca intelectual ou de um desejo de poder, mas de uma desilusão absoluta. Ele é o reflexo da total incapacidade de encontrar uma identidade sólida. Em sua mente, todas as outras versões de si mesmo são anátemas, interrupções do que poderia ser sua verdadeira essência. Para ele, a multiplicidade é um erro cósmico, uma falha do universo. Ele deseja destruir todas as versões de si mesmo para se libertar da prisão da duplicidade. Ele quer apagar as realidades alternativas, erradicar as possibilidades, até que reste apenas a sua própria linha do tempo.
Sua aparência já denuncia o colapso do natural; a pele de Kael, o Destruidor, é laranja - resultado direto da radiação térmica residual das Tempestades de Núcleo, eventos que devastaram sua realidade após a ruptura dos Véus Temporais. A exposição precoce a essas anomalias cósmicas fez com que seu corpo absorvesse partículas crônicas instáveis, fundindo matéria orgânica com energia temporal comprimida. O resultado é uma combustão interna controlada; sua pele arde num laranja constante, como uma fornalha viva, símbolo da fusão entre homem e tempo. Ele é um sobrevivente moldado por entropia.
Kael, o Destruidor, sabe que, ao eliminar todas as outras versões de si, ele não alcançará a unificação. Em vez disso, ele compreenderá o que é ser nada. Sua obsessão não é pela totalidade, mas pela ausência. O ato de exterminar as outras versões é o último grito de uma mente que deseja desaparecer. Ele não quer mais ser uma parte do todo; ele quer ser nada.
"Se ser é se fragmentar, então não ser é me tornar completo. Eu sou o fim."
KAEL, O CURIOSO
Em uma terceira linha, há Kael, o Curioso. Este não é um filósofo, nem um destruidor. Ele não busca a perfeição ou o poder, mas a experiência. Sua vida é dedicada ao estudo das realidades, não para entendê-las, mas para experimentá-las. Ele viaja entre os mundos, observando como as realidades se interligam, como as versões de si mesmo vivem e se desdobram. Ele não é sujeito a regras de moralidade, ou mesmo de continuidade temporal. Ele vive no espaço entre os momentos, onde as decisões não precisam ser tomadas, porque já foram tomadas, e onde as consequências não existem, porque todas elas coexistem.
"Sou, então, múltiplo. Não por escolha, mas por necessidade. Somos todos coisas fragmentadas."
Para o Curioso, a identidade não é uma linha reta, mas uma espiral que gira sobre si mesma, sempre retornando, mas nunca exatamente da mesma forma. Ele compreende que a identidade é uma ilusão, mas ao mesmo tempo, vive e age dentro dessa ilusão. Sua busca não é por respostas, mas por interpretações. Ele é o eterno aprendiz, sabendo que nunca haverá um fim.
KAEL, O ARROGANTE
Em uma linha alternativa, existe Kael, o Arrogante. Diferente das outras versões de si mesmo, ele não é motivado pela insegurança ou pelo desejo de unificação forçada, mas por uma confiança elevada ao ponto de desdém. Ele é um líder, mas não pelo poder ou pela sabedoria: ele é um líder porque acredita que o mundo simplesmente deveria seguir sua visão, como se a verdade fosse algo inquestionável e imutável.
Kael, o Arrogante, não se vê como um tirano, mas como alguém superior a qualquer um ao seu redor. Para ele, a multiplicidade não é uma riqueza a ser explorada, mas um obstáculo a ser tolerado. Ele não deseja destruir as outras versões de si mesmo, mas simplesmente ignorá-las - elas não têm valor diante da grandiosidade de sua única perspectiva. Ele não busca eliminar ou forjar uma identidade absoluta, mas sim afirmar sua visão de que sua maneira de ser é a única que importa.
Ao invés de buscar compreensão ou harmonia interna, Kael, o Arrogante, vê qualquer forma de dúvida ou complexidade como um sinal de fraqueza. Ele é alguém que exalta sua visão do mundo, e qualquer manifestação que desafie essa visão é, para ele, irrelevante ou inferior. Ele não destrói, mas marginaliza. Ele não aniquila, mas apaga as outras possibilidades de existência simplesmente por considerá-las inferiores à sua própria experiência de ser.
"Eu sou a medida de todas as coisas. Quem sou eu, é o que deve ser."
Essas palavras não são ditas com a esperança de transformar, mas com a certeza de que ele é o padrão para todos. Kael, o Arrogante, não vê necessidade de destruição porque, para ele, qualquer outra forma de ser é meramente uma sombra do que ele já é. Ele não teme as possibilidades, ele as despreza - ele é o ápice, e todos os outros, inconscientes de sua própria inferioridade, são meras variáveis em sua grande equação.
A destruição de Kael, o Destruidor, não começou com fogo. Começou com silêncio. Não o silêncio do mundo, mas o silêncio dentro dele - aquele que chega quando a última nota de uma canção morre no ar, e o ouvinte, subitamente, percebe que nunca soube a melodia por completo.
Cada Kael que ele apagava não era apenas uma variação; era uma sílaba de seu nome, um fragmento de sua alma cantando em outro tom. E quando destruiu o primeiro - o Curioso - foi como arrancar uma estrela do céu. Pequena, talvez. Mas agora o firmamento já não era inteiro.
A tragédia não veio com gritos, nem com o estrondo das realidades se partindo. Ela se manifestou nas margens. No modo como os reflexos paravam de se formar nos espelhos temporais. No modo como os nomes começavam a se esquecer sozinhos. Ele olhava suas mãos - antes fornalhas vivas, agora brasas que hesitavam em queimar - e percebia que não era mais feito de carne ou tempo, mas de lacunas.
Ao eliminar Kael, o Arrogante, houve uma pausa. Um instante que durou mais que uma vida. O Destruidor ficou imóvel, como se esperasse uma resposta de si mesmo. Mas tudo que ouviu foi um ruído tênue - o som da própria ausência, como um pássaro morto tentando bater asas.
Ele ainda se movia, mas cada passo era um eco. Ele ainda pensava, mas seus pensamentos soavam como poemas esquecidos. A multiplicidade não era mais um fardo - era o chão sob seus pés. E agora, esse chão cedia, como gelo sobre um lago sem fundo.
E então, em sua travessia final, Kael, o Destruidor, chegou à realidade silenciosa - uma onde nenhuma voz ecoava, nenhum reflexo lhe devolvia o rosto. Lá, encontrou um corpo em posição fetal, os dedos gastos, as unhas manchadas de símbolos escritos com sangue e unção.
Era o cadáver de Kael, o Imperfeito.
Mas não era outro. Era ele.
O Destruidor caiu de joelhos. Aquela figura diante dele não era só o começo - era a origem de sua dor, o estopim de sua própria criação. As palavras finais do Imperfeito não foram apenas uma rendição filosófica. Elas eram um ritual. Um parto.
"O vazio não me devorou. Eu o gerei."
Kael, o Destruidor, nasceu do colapso interno de Kael, o Imperfeito - não como um erro, mas como consequência. A identidade desfeita do Imperfeito, ao tocar a verdade que nenhum ser deveria ver, condensou-se em uma centelha, uma implosão de essência que rasgou o tempo e moldou o Destruidor como um lamento encarnado.
Ele não era um monstro... Era o luto de um homem que viu demais.
Cada destruição, cada versão apagada, era um grito tentando voltar para antes - para o momento em que ainda havia perguntas ao invés de respostas. Ele não queria ser o único. Queria ser o primeiro antes da queda. Mas já era tarde. Ele era apenas a última lágrima da mente que colapsou.
E então, o Destruidor chorou.
As lágrimas não caíram de seus olhos. Elas escorreram pelas fissuras do tempo, escurecendo as margens das realidades. Cada gota era uma versão que nunca será. Cada soluço, uma palavra não dita, uma vida não vivida.
Ele não implodiu. Não queimou. Apenas... desfaleceu. Como uma vela que entende que já iluminou demais. Como um verso que se recusa a rimar com o fim. Seu corpo se esfarelou em poeira cronológica, e sua consciência foi sendo diluída no grande mar das possibilidades. Não restou nem dor. Apenas um eco de arrependimento, vagando entre mundos como um último suspiro.
Kael não foi vencido. Foi esquecido por si mesmo.
Na canção eterna do ser, seu verso foi apagado com pena. Não por justiça, mas porque já não cabia mais. Ele queria ser perfeito, e terminou sendo ninguém.
A última lembrança de Kael, o Destruidor, não é imagem, nem som. É uma sensação inexplicável que, às vezes, alcança viajantes entre realidades; um arrepio tênue, uma ausência inexplicável, como se algo importante tivesse desaparecido - mas ninguém lembra o quê.
E assim, ele se tornou trágico não por ter fracassado, mas por ter buscado algo que nunca deveria ser alcançado; a completude. Porque no universo de espelhos quebrados, aquele que tenta ser inteiro... é o primeiro a desaparecer.
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