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• Por Alisson Santos
A cada amanhecer, o peso sobre os meus ossos se intensifica, e, no entanto, algo profundo dentro de mim sussurra para seguir em frente, como se uma força invisível me impulsionasse. Não posso mais ignorar os murmúrios que me cercam, a tensão que me atravessa. Sou apenas um, e ao mesmo tempo, sou muitos. O vazio dentro de mim se alarga, mas, paradoxalmente, ele exige que eu o preencha com algo que eu não entendo, algo que não sei se posso controlar. O ciclo, sei, se repete.
Quando olho para as árvores, vejo nas suas raízes a distância crescente entre o homem e a natureza que ele um dia foi. Eu já fui humano, mas o homem que fui parece dissolver-se como cinzas ao vento, como se uma chama devorasse a essência de minha carne. A cada passo, escuto algo que ressoa dentro de mim, como um eco distante, e, em cada ressoar, vejo o reflexo do que sou. Sou o olho da tempestade - aquele que observa, impassível, enquanto a destruição se desenrola ao meu redor.
Mas o que é a destruição, senão a busca pela verdade?
Eu não posso mais ignorar: estou sendo consumido. As memórias do homem que fui estão desaparecendo, substituídas por algo mais primitivo, algo infernal. A primeira vez que senti a necessidade de caçar, percebi que não era apenas um instinto, mas uma ânsia de dominar. O desejo de ver os outros se curvarem diante de mim, de possuir algo que não me pertence. Era o orgulho, crescente e insaciável, devorando os últimos vestígios de compaixão que ainda restavam em minha alma.
Logo entendi que o orgulho não é apenas a alegria da vitória, mas também o medo da queda iminente. E esse medo se tornou o medo de me perder, de não conseguir controlar a fome que me consome, de ser mais do que sou, de me transformar em algo que não reconheço. O medo de ver minha humanidade se distorcer diante de mim, dilacerada pela dor do próprio desejo.
O desejo cresceu dentro de mim como uma chama selvagem, incontrolável. O desejo de possuir mais, de consumir o que está à minha frente, de saborear a dor que posso causar. A carne é fraca, mas o desejo... o desejo é forte, carnal, palpável. Tornou-se uma necessidade que não posso mais negar. Então percebi: o desejo não me define apenas - ele me separa dos outros. Ele me faz único. E me destrói.
Mas o desejo sempre será insaciável.
E então, ao observar a dor, senti o cansaço de tentar controlar o incontrolável. Há algo no sofrimento que ressoa profundamente, algo que me diz que não sou apenas um reflexo da minha dor, mas da dor de todos. Quando alguém chora, não é apenas por ter sofrido, mas porque a dor, como um veneno, se espalha por todo o corpo e, finalmente, se torna quem somos. Não podemos escapar dela. O sofrimento não é uma prisão de um único ser, mas uma rede invisível que nos envolve a todos.
E é esse sofrimento que pesa, inexorável, até que a culpa se faça presente, arrastando-se pelas sombras das minhas ações. Mesmo sem ser pronunciada, a culpa se insinua, calcificando minhas veias e corroendo qualquer remanescente de esperança. Mas foi então que percebi algo ainda mais devastador: o arrependimento. Não um arrependimento que surge da consciência de uma falha, mas o arrependimento que nasce da certeza de que nunca fomos o que imaginamos ser. O arrependimento é a última casa que construímos dentro de nós, e nela não há portas - apenas paredes. Paredes que nos aprisionam até que deixemos de respirar.
E, quando o arrependimento se esvaiu, restou apenas a ira. Não a ira contra aqueles que me causaram dor, mas a ira contra mim mesmo, pela minha incapacidade de escapar do que sou. A ira que queima internamente, incansável, consumindo os últimos fragmentos da humanidade que ainda restavam. Não há descanso para quem se deixa devorar por ela. Não há perdão para quem nunca aprendeu a perdoar a si mesmo.
A luxúria me olhou nos olhos quando finalmente sucumbi. Não se tratava mais do desejo físico, mas da luxúria de ter poder sobre o outro, de ver a alma ser consumida lentamente, como uma chama que nunca se apaga. A luxúria esconde-se nas sombras, e ninguém pode escapar dela. Ela se mistura ao prazer e à dor, fazendo com que o mundo perca sua clareza, tornando-nos escravos de um desejo incessante, até que se torne uma necessidade insustentável.
Mas, ao fim, quando tudo já estava consumido e eu me vi diante do abismo, percebi que o pecado mais profundo, o mais destrutivo, era a inveja. A inveja de não ser mais, de não ter o que os outros têm. A inveja que se alimenta do vazio, que nunca se sacia. Ela não quer o que os outros possuem, ela quer destruir, ela quer ver os outros perderem, porque sua única razão de existir é o ódio que ela semeia. A inveja é o espelho quebrado, onde todos nos olhamos e nos odiamos, sem perceber que somos feitos das mesmas ruínas.
Agora, diante de tudo isso, não sei mais quem sou. Sou o eco de minhas fraquezas. Sou o lobo, os sete pecados, correndo em círculos eternos, para sempre. A carne de um homem nunca se desvanece; ela apenas se transforma. O que resta de mim são os rastros deixados, os vestígios dos pecados que agora moldam minha essência.
E quando a lua se erguia, eu não me transformava mais. Eu me reconhecia.
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