Crítica | Superman - O manto, finalmente, voltou a ter peso.

Divulgação | Warner Bros. Pictures

• Por Alisson Santos

Superman, o tão aguardado filme do Homem de Aço sob a batuta de James Gunn, não nos convida a um prólogo, e sim a um mergulho. Como abrir um quadrinho direto na metade de uma saga; somos lançados ao centro de um universo já em movimento, onde a origem importa menos do que o que se faz com ela. A decisão, ousada e precisa, dá o tom deste novo capítulo, não se trata de recontar, mas de reimaginar.

A força do filme repousa na reconstrução emocional do mito. Clark Kent não é apresentado como um ser messiânico que paira sobre os mortais, como nas versões anteriores marcadas por filtros cinzentos e aura divina. Aqui, ele anda entre nós. Com calos, dúvidas, amor e uma ternura desconcertante. David Corenswet, com seu rosto sincero e olhar gentil, encarna esse Superman menos símbolo e mais ser, alguém que sofre, hesita e, ainda assim, se ergue porque crê que vale a pena.

Esse cuidado é o motor do filme. Superman não é um justiceiro cósmico em batalhas intergalácticas, mas uma presença sensível em crises humanitárias, guerras políticas e dilemas reais. Quando o filme nos leva a Boravia, país fictício criado para um filme, não vemos apenas uma sequência de ação, vemos um espelho; de como o poder (e a responsabilidade) se moldam diante das injustiças do mundo. E é nesse reflexo que o Superman brilha. Ele não vence pela força, mas pela esperança que provoca. Um símbolo não de medo, mas de possibilidade.

Essa humanidade transborda também no relacionamento com Lois Lane. Rachel Brosnahan entrega uma Lois afiada, forte e incrivelmente humana, não como contraponto ao herói, mas como seu equilíbrio. As cenas em que ela e Clark compartilham o cotidiano, seus erros, silêncios e pequenos gestos, são as mais preciosas do filme. Pela primeira vez em muito tempo, o amor deles não nasce de um tropeço ou de uma atração repentina, mas de intimidade construída e sustentada com esforço. Ver dois adultos navegando o amor, com todas as suas imperfeições, é um sopro de maturidade raro no gênero.

Do lado oposto do espectro emocional está Lex Luthor, interpretado por Nicholas Hoult com uma energia inquietante. Este Lex não é um monstro de megalomania explosiva, mas um estrategista frio, inteligente, que entende que o mundo é moldado pela tecnologia, e por quem a controla. Seu desprezo por Superman é menos ideológico e mais existencial; ele odeia não o que Superman faz, mas o que ele significa. E é exatamente por isso que essa rivalidade, renovada com sarcasmo e tensão, funciona tão bem. Há uma cena em particular, em que Clark comenta a obsessão de Lex, que sela com perfeição esse embate; dois homens, dois futuros possíveis, um que acredita no outro, e um que acredita apenas em si.

A presença de uma equipe de super-heróis coadjuvantes, ou, como Guy Gardner prefere, a “Gangue da Justiça”, acrescenta um sabor inesperadamente divertido ao enredo. Guy, o Lanterna Verde (Nathan Fillion) é irritadiço, Mulher-Gavião (Isabela Merced) é firme e séria, e Sr. Incrível (Edi Gathegi) rouba cada momento com uma presença magnética e calculadamente caótica. Eles são mais como satélites desajustados em órbita de algo maior, e é justamente essa disfunção que os torna críveis e carismáticos, mesmo com pouco destaque durante o longa. E como não falar de Krypto? O cachorro kryptoniano é o caos em quatro patas, um companheiro leal e indisciplinado, que mistura humor com pura fúria animal. 

O filme não tenta ser engraçado o tempo todo, tampouco força piadas em momentos dramáticos. Ele encontra no humor uma ferramenta de humanização, e até mesmo de crítica. A relação entre Sr. Incrível e Guy Gardner, por exemplo, é uma aula de ritmo cômico e fricção carismática. Gardner, irritadiço e egocêntrico, funciona como uma caricatura do herói sem profundidade, e serve como contraste para a serenidade do Senhor Incrível. 

Também há espaço para o humor físico, especialmente com Krypto. O cachorro kryptoniano é uma tempestade de destruição adorável. Seu comportamento indisciplinado e imprevisível gera momentos caóticos e hilários, mas sem nunca soar infantil. Ele é o tipo de personagem que quebra a tensão sem desrespeitá-la, algo raro em produções do gênero.

Divulgação | Warner Bros. Pictures

Outro ponto notável é como o filme usa o sarcasmo como crítica interna. A própria obsessão de Lex por Superman é tratada com uma ironia deliciosa. É como se o filme soubesse rir dos clichês que herdou do gênero, sem zombar deles. Ele respeita o legado, mas não se ajoelha diante dele.

Superman entende que o humor não precisa gritar para ser ouvido. Ele surge nos olhares de impaciência, nas interações truncadas, nos pequenos absurdos do cotidiano, mesmo que esse cotidiano envolva alienígenas, vilões megalomaníacos e cachorros voadores. É um humor com alma, com timing, e, acima de tudo, com propósito.

A trilha sonora de Superman não tenta reinventar o épico, mas o reconectar à emoção. Evita o caminho fácil de repetir fanfarras icônicas do passado e opta por uma composição mais atmosférica, que cresce com o personagem. Há momentos em que os temas musicais parecem quase tímidos, suaves, contidos, até que, nas horas certas, explodem com a força necessária. Essa contenção é uma virtude; em vez de guiar o sentimento do espectador com rédea curta, a trilha o acompanha com respeito e sensibilidade.

Confesso que cheguei a temer pelo resultado visual do filme quando vi os trailers. Alguns efeitos digitais ali pareciam inacabados, plásticos demais, com aquele brilho artificial que entrega o uso excessivo de CGI sem peso nem profundidade. Felizmente, o filme provou o contrário. Não há exageros digitais nem saturação de cores ou partículas; tudo serve à história. As cenas de ação são grandiosas, sim, mas nunca caóticas. Quando Superman voa, sentimos o peso; quando Krypto destrói algo, sentimos a consequência. A destruição tem textura, e o poder tem impacto. O CGI é sofisticado porque se esconde, não grita, não chama atenção para si, e por isso funciona tão bem.

No fim, Superman não é um espetáculo de destruição ou um desfile de efeitos. Ele é, surpreendentemente, um filme sobre vínculos. Sobre o que nos torna heróis, e não são os poderes, mas as escolhas. O manto, finalmente, voltou a ter peso. Não por ser invulnerável, mas por carregar nele os sonhos frágeis de quem ainda acredita que a bondade pode ser revolucionária.

Este filme não reinventa o Superman. Ele resgata algo que muitos blockbusters deixaram para trás: a fé, não em deuses ou mitos, mas em nós mesmos. E ao fazer isso, sem medo do silêncio, da ternura ou da imperfeição, Superman voa mais alto do que se esperava. E o céu, agora, parece um pouco mais perto.

O filme apresenta duas cenas pós-créditos, mas ambas são dispensáveis. Tudo o que realmente importa está no próprio filme, que se sustenta com força sem depender de promessas futuras.

O filme estreia em 10 de julho nos cinemas, mas sessões antecipadas já estão rolando a partir de hoje.

Avaliação - 8/10

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