| Divulgação | HBO Max |
• Por Alisson Santos
O terceiro episódio de IT: Bem-Vindos a Derry confirma uma verdade dolorosa sobre o terror de streaming contemporâneo; nem sempre a fidelidade a um universo rico garante a sustentação da narrativa. "Agora Você O Vê", como o capítulo foi batizado, tenta equilibrar o peso dos traumas individuais das crianças de Derry com o aprofundamento da mitologia de Pennywise, mas o resultado é irregular. Após um início promissor e duas semanas de sólida construção de tensão e ambientação, a série tropeça em seu primeiro episódio de transição — e o problema é que esse tropeço ecoa mais como hesitação criativa do que como respiro narrativo.
A abertura, situada em 1908, é um dos momentos mais inspirados do episódio, e talvez o único que carrega o espírito melancólico e circular da literatura de Stephen King. A relação entre o jovem Shaw e Rose carrega a promessa de um passado que se repete em ciclos de medo, culpa e resistência — o grande tema subjacente de "IT" em qualquer mídia. No entanto, essa centelha inicial se apaga rapidamente quando o episódio retorna ao presente, tropeçando em subtramas que não se entrelaçam com fluidez. Lilly, até então o coração emocional da série, reaparece desprovida de consequências psicológicas críveis após os eventos traumáticos do capítulo anterior. Sua internação e posterior alta de Juniper Hill são tratadas quase como uma nota de rodapé, e o roteiro parece ter esquecido que a força da história de Derry sempre residiu na empatia — na percepção de que o verdadeiro horror não é o palhaço, mas o mundo que abandona suas crianças.
O foco no General Shaw, vivido por James Remar, é uma tentativa de preencher essa lacuna, e há méritos em explorar o vínculo dele com Derry e as tensões entre o exército e a população indígena local. O subtexto colonial e as escavações em territórios sagrados poderiam oferecer uma nova camada de leitura sobre o “mal subterrâneo” que sustenta Pennywise — uma metáfora geológica e histórica da culpa americana. No entanto, o episódio não se aprofunda nessa simbologia; o que poderia ser uma reflexão sobre a origem mítica do mal torna-se apenas uma ponte burocrática entre cenas de investigação e sustos ineficazes.
É sintomático que a aparição mais convincente de terror venha justamente através do "Iluminado". Chris Chalk, interpretando Dick Hallorann, resgata um tipo de horror interior, de percepção psíquica e impotência espiritual, que o episódio tenta mas não consegue reproduzir em suas sequências visuais. Sua visão da cisterna é breve, mas carregada de uma tensão que a direção raramente alcança fora desse núcleo. Quando Hallorann sussurra que “ele não deveria nos ver”, a série toca um ponto crucial da mitologia kingiana — o medo de ser notado por algo que transcende o entendimento humano —, e por um instante, IT: Bem-Vindos a Derry parece lembrar o que deveria ser.
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Mas esse lampejo de terror existencial é tragado por uma sucessão de escolhas estéticas equivocadas. O clímax no cemitério é o exemplo mais gritante; a tentativa de criar um espetáculo visual termina em um caos digital que destrói qualquer atmosfera de medo. As crianças pedalam em torno de túmulos enquanto o chão se abre, mas o CGI é tão artificial que a sequência se aproxima mais de um pesadelo de parque temático do que de uma descida simbólica ao inferno. Fica a impressão de que a série, ao tentar emular a grandiosidade cinematográfica dos filmes de Andy Muschietti, esqueceu-se de que o terror em "IT" sempre nasceu do pequeno — do olhar desconfiado de um garoto no bueiro, do eco abafado de uma risada em um banheiro vazio.
Mesmo o humor sombrio que permeava os episódios anteriores desaparece, substituído por uma pressa narrativa que não permite que as emoções respirem. O grupo de jovens — projetado para ser uma nova encarnação do Clube dos Perdedores — carece de alma coletiva. Falta o senso de amizade que transforma o medo em catarse. Cada um deles parece isolado dentro de um roteiro que prefere mover peças do tabuleiro a nos fazer sentir a vida pulsando em Derry.
A direção, visualmente mais preguiçosa desta vez, também sofre com a inconsistência dos efeitos. Enquanto o “pai de picles” do episódio anterior ainda assombrava pela mistura de grotesco e simbólico, o esqueleto digital correndo sob a luz do dia neste capítulo se torna quase uma paródia involuntária. A fotografia perde o contraste entre o mundano e o infernal — e o resultado é um episódio que soa raso, mesmo quando tenta parecer denso.
Ainda assim, IT: Bem-Vindos a Derry não é um episódio horrível. Há lampejos de algo maior; o retrato melancólico do ciclo de gerações que enfrentam o mesmo mal, o eco moral de uma cidade que finge não ver, a ambiguidade quase religiosa de Pennywise como entidade e metáfora. São temas que poderiam sustentar uma grande série — e talvez sustentem, se os próximos episódios retomarem a coragem estética e emocional que o terceiro perdeu.
O terceiro episódio já está disponível na HBO Max.
Avaliação - 6/10
A trama militar é muito chata.
ResponderExcluirTô gostando. A parte do cemitério me lembrou aqueles filmes de terror do ano 2000.
ResponderExcluirA cena do cemitério para Scooby Doo kkkkkk
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