Crítica | Amores Materialistas - Elegante, agridoce e provocador — uma comédia romântica para adultos cansados de fingir que só o amor basta, mas ainda assim torcendo para que baste.
Divulgação | Sony Pictures |
• Por Alisson Santos
Existe algo de profundamente incômodo e, ao mesmo tempo, reconfortante em Amores Materialistas. Incomodativo porque espelha de maneira sutil os valores que passamos a aplicar às relações, como quem avalia uma planilha de prós e contras antes de se permitir sentir. Reconfortante porque, mesmo partindo desse lugar frio e calculado, o filme se nega a perder a ternura que ainda existe nos espaços de vulnerabilidade entre duas pessoas.
Após o aclamado Vidas Passadas, a diretora Celine Song retorna com um projeto aparentemente mais simples, mas não menos ambicioso; uma comédia romântica que desafia o próprio molde do gênero, misturando estrutura clássica com um olhar moderno, quase melancólico, sobre o que significa amar em tempos de expectativas inflacionadas.
Apesar da superfície sugerir uma trama familiar, Lucy (Dakota Johnson), uma casamenteira nova-iorquina envolvida em um triângulo amoroso com Harry (Pedro Pascal), um milionário charmoso, e John (Chris Evans), seu ex quebrado emocional e financeiramente —, Amores Materialistas nunca se entrega ao conforto da previsibilidade. Celine Song injeta camadas, silêncios e escolhas visuais que evocam mais o cinema independente intimista do que as rom-coms dos anos 2000.
A comparação com Hitch: Conselheiro amoroso e Um Lugar Chamado Notting Hill é inevitável, mas aqui a intenção é quase subversiva; Song revisita esses arquétipos não para replicá-los, mas para desconstruí-los com maturidade e certa amargura. Não há trilha sonora pop conduzindo emoções, nem quedas engraçadas na calçada. Há pausas desconfortáveis, olhares não correspondidos e uma constante sensação de que até o amor, hoje, virou produto.
Com uma direção afiada e elegante, Song transforma Nova York num espaço não de sonhos, mas de escolhas transacionais. A fotografia em 35mm, assinada por Shabier Kirchner, exala sofisticação contida, captando nuances de silêncio e tensão em cada canto do quadro. Uma das melhores cenas envolve uma conversa tensa entre Lucy e sua chefe, enquanto ao fundo, em uma janela, uma festa corporativa se desenrola — simbolizando com precisão cruel o que se ganha e o que se perde ao fazer parte de um sistema.
Divulgação | Sony Pictures |
A protagonista de Dakota Johnson talvez seja o coração frio do filme — e isso é um elogio. Sua Lucy é cínica, direta, articulada, alguém que admite desejar luxo e estabilidade sem pedir desculpas por isso. Sua frieza é escudo, mas também ferida. A performance de Johnson, contida e irônica, encaixa como uma luva nessa mulher que já sofreu demais para continuar acreditando em promessas sem lastro.
Pedro Pascal, em contrapartida, traz um Harry misterioso, quase apagado pela própria fortuna. Chris Evans resgata com charme seu lado romântico dos anos 2000, mas com uma dor adulta que dá peso ao personagem. Há também uma subtrama com Zoe Winters, cliente emocionalmente instável da agência de Lucy, que culmina em um desfecho mais sombrio do que o esperado — revelando a face menos glamourosa das expectativas românticas.
O grande mérito de Amores Materialistas está em entender que o amor hoje compete com o algoritmo, com o status, com o medo de perder tempo. E que isso não nos torna frios — nos torna humanos tentando sobreviver. O filme não condena quem busca segurança. Tampouco romantiza os amores fracassados. Ele apenas observa, com empatia amarga, o quanto o afeto foi condicionado a caber em moldes.
E aí surge a pergunta: “Se ele é rico, lindo, inteligente e engraçado… por que não deu certo?” Porque sentimento não cabe em planilha. Porque relacionamentos são riscos — e a matemática do amor é feita de variáveis incontroláveis.
Amores Materialistas não quer ser perfeito — e talvez por isso funcione tão bem. É imperfeito como as escolhas que fazemos, como os amores que deixamos, como os vazios que tentamos preencher com certezas. Celine Song prova que não foi só uma “sorte de principiante” com Vidas Passadas — ela tem visão, voz e coragem para reinventar gêneros.
Talvez não seja um filme para todos, mas é, sem dúvida, um filme necessário para quem já se pegou amando alguém pelos motivos errados. Ou duvidando dos sentimentos certos só porque eles não vinham embalados com um anel de noivado e um apartamento duplex.
Amores Materialistas estreia em 31 de julho nos cinemas.
Avaliação - 8/10
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