Crítica | Coração de Lutador - Se não é um nocaute absoluto, é ao menos um golpe técnico certeiro, capaz de redefinir a imagem de The Rock no cinema e de inserir o MMA no mapa do drama autoral contemporâneo.
Divulgação | Diamond Films |
• Por Alisson Santos
Coração de Lutador – The Smashing Machine é um filme de contrastes. Dirigido por Ben Safdie e estrelado por Dwayne Johnson, o longa busca retratar a ascensão e a queda de Mark Kerr no período entre 1997 e 2000, quando o lutador transitava entre UFC, Vale Tudo e Pride. A escolha desse recorte temporal se mostra precisa, pois evita a dispersão de uma cinebiografia extensa e concentra o drama em um momento decisivo de sua vida, em que a glória esportiva convivia diretamente com a autodestruição pessoal.
Safdie confirma sua habilidade em criar atmosferas intensas, e aqui encontra um terreno fértil no MMA. As lutas são filmadas com um realismo impressionante, alternando entre a estética televisiva dos anos 90 e a imersão cinematográfica mais crua, marcada por closes que expõem hematomas, suor e respirações ofegantes. O espectador é colocado dentro do ringue, acompanhando a violência física e a exaustão de Kerr em uma abordagem que não celebra a luta como espetáculo, mas a apresenta como um processo de desgaste físico e psicológico. A reconstituição de época é minuciosa, como mostra a abertura ambientada no Brasil, em 1997, que recria com autenticidade o cenário do Vale Tudo.
No centro da obra está Dwayne Johnson, em sua interpretação mais arriscada e transformadora até hoje. O ator abandona de forma deliberada os maneirismos e o carisma que consolidaram sua persona “The Rock”, dando lugar a um protagonista mais vulnerável, contido e humanizado. A transformação física é reforçada pelo trabalho impressionante de maquiagem de Kazu Hiro, mas é na voz calma e quase resignada de Kerr que Johnson prova maturidade artística. Trata-se de uma atuação que pode redefinir sua carreira, pavimentando a narrativa de um astro de blockbusters que busca agora reconhecimento em papéis mais densos.
Divulgação | Diamond Films |
Emily Blunt, como Dawn, esposa de Kerr, oferece dignidade a uma personagem que o roteiro, infelizmente, trata de maneira repetitiva. O conflito conjugal se repete ano após ano sem grandes variações, transformando-a em figura quase redundante, embora a atriz consiga transmitir a ambivalência entre amor e exaustão. Já Ryan Bader, em sua estreia como ator, impressiona pela naturalidade ao interpretar Mark Coleman. Sua autenticidade física e emocional evita os vícios de outros lutadores que migraram para o cinema, o que dá à parceria com Kerr uma dimensão genuína.
Se o filme é poderoso no ringue, ele perde força ao se aprofundar na vida pessoal do protagonista. O roteiro trata dos vícios, dos colapsos emocionais e dos problemas conjugais em ciclos que se repetem sem agregar camadas dramáticas. A sensação de estagnação se impõe e contrasta com a vitalidade das sequências de luta, que são algumas das melhores já registradas no cinema sobre MMA. Safdie busca o equilíbrio entre os dois mundos, mas é inegável que o lado íntimo do lutador não recebe o mesmo rigor narrativo que sua trajetória esportiva.
Ainda assim, Coração de Lutador tem valor singular. É um retrato detalhado da era pioneira do MMA, com suas dificuldades de reconhecimento, contratos mal remunerados e preconceito social, e ao mesmo tempo é uma obra que marca a reinvenção de Dwayne Johnson como ator. Não é um filme perfeito; oscila entre a força do ringue e a fragilidade do drama. Mas a ousadia de colocar um ícone pop em um território de dor, falibilidade e decadência confere ao longa uma relevância inegável.
Coração de Lutador – The Smashing Machine estreia em 2 de outubro nos cinemas.
Avaliação - 7/10
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