Crítica | A Hora do Mal - É o horror que, ao invés de apenas provocar sustos, rasga feridas sociais.
Divulgação | Warner Bros. Pictures |
• Por Alisson Santos
Zach Cregger, após surpreender o mundo do horror contemporâneo com Noites Brutais (2022), retorna com um projeto ainda mais ambicioso; A Hora do Mal. Se antes sua força estava na experimentação com estrutura e atmosfera, aqui o diretor consolida um estilo que o posiciona como uma das vozes mais relevantes do terror americano atual, um cinema que é tanto uma experiência estética de desconforto quanto um exercício simbólico sobre os medos e traumas coletivos.
Um dos maiores trunfos de A Hora do Mal é a recusa em seguir um caminho linear. Cregger organiza o filme em capítulos, cada um trazendo a perspectiva de diferentes personagens envolvidos no desaparecimento de 17 crianças de uma mesma sala de aula, às 2h17 da madrugada, em Maybrook. Essa fragmentação narrativa não é apenas estilística, mas sim estratégica; ela expande a tragédia, mostrando como o trauma reverbera em múltiplas camadas da comunidade.
A montagem alterna entre silêncios sufocantes, explosões sonoras dissonantes e cortes que subvertem a expectativa de continuidade, produzindo uma sensação de constante instabilidade. Trata-se de um cinema mais próximo da lógica de um pesadelo coletivo do que de um thriller tradicional de investigação.
Diferentemente de outros filmes de horror mainstream, que tendem a amplificar a repercussão midiática dos acontecimentos, Cregger faz o movimento oposto; retira a grande mídia de cena e coloca o olhar no microcosmo da comunidade. O foco está nos pais, vizinhos e professores tentando compreender o incompreensível.
Esse gesto transforma o filme em um estudo de dinâmica social; a busca por culpados imediatos (a professora Justine, interpretada com intensidade por Julia Garner), a caça às bruxas e a criação de bodes expiatórios, tudo isso refletindo a maneira como sociedades lidam com tragédias coletivas. É o horror que, ao invés de apenas provocar sustos, rasga feridas sociais.
A direção de arte transforma casas comuns em cenários de pesadelo. Cada ambiente parece carregado de memórias traumáticas, como se as paredes absorvessem a dor da comunidade. Já o design de som, um dos pontos mais altos da produção, manipula a percepção do espectador com silêncios abruptos seguidos de ruídos dissonantes. Ao contrário do modelo industrial de jump scares previsíveis, A Hora do Mal aposta na construção gradual de tensão, até que o terror seja quase insuportável.
Divulgação | Warner Bros. Pictures |
É impossí vel analisar o filme sem discutir sua simbologia. O elemento central é Gladys (Amy Madigan), figura que encarna o arquétipo da bruxa parasitária. As referências a parasitas — de lições de biologia em sala até menções ao fungo Cordyceps — funcionam como pistas indiretas; Gladys não é apenas uma vilã sobrenatural, mas um símbolo de forças que se alimentam da vitalidade alheia.
O parasitismo aqui transcende o literal; fala de gerações mais velhas sugando o futuro das mais jovens, de comunidades corroídas por rancor e medo, de sistemas que sobrevivem da energia dos vulneráveis. Essa leitura é reforçada pelo confronto final — crianças contra a velha bruxa —, que sugere não apenas vingança, mas um embate arquetípico entre juventude e velhice, futuro e passado.
Outro símbolo marcante é a visão onírica de uma arma flutuando no céu, um fuzil projetado como espectro celestial. A imagem, deliberadamente sem explicação lógica, evoca a ideia de violência como entidade transcendente, quase divina, pairando sobre todos. O título original, Weapons (Armas), reforça essa metáfora; pessoas transformadas em armas, guiadas por impulsos de ódio, luto e vingança.
Julia Garner (Justine) encarna com precisão a fragilidade e a força de uma mulher transformada em bode expiatório. Sua expressão constante de incredulidade frente à comunidade ecoa o desespero do espectador. Josh Brolin (Archer) oferece peso dramático como o pai que se recusa a aceitar o desaparecimento do filho, transmitindo a brutalidade de um luto que se converte em fúria. Já Cary Christopher (Alex), único sobrevivente da turma, é o elo ambíguo entre realidade e sobrenatural, desempenhando um papel-chave na mitologia criada por Cregger.
A Hora do Mal não é apenas mais um título no catálogo do terror contemporâneo; é uma obra que tensiona forma e conteúdo, que dialoga com símbolos universais e traumas sociais, e que encontra, no horror, uma linguagem para falar sobre medo, luto, vingança e desintegração comunitária.
Se em Noites Brutais Cregger já havia mostrado fôlego criativo, aqui ele demonstra maturidade para usar o gênero como lente crítica e poética. A Hora do Mal é brutal, melancólico e claustrofóbico — mas, acima de tudo, é um mosaico simbólico sobre o que significa viver em uma sociedade onde cada indivíduo pode, a qualquer momento, ser transformado em arma.
O filme está disponível nos cinemas.
Avaliação - 8/10
Filmão!
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