Divulgação | Warner Bros. Pictures |
• Por Alisson Santos
Paul Thomas Anderson nunca foi um cineasta de atalhos. Seu cinema é feito de desvios, de narrativas que se fragmentam, de personagens que carregam dentro de si o peso de eras inteiras. Em Uma Batalha Após a Outra, talvez seu filme mais ousado até agora, ele leva essa ambição ao extremo. Não estamos diante de uma simples adaptação livre de Vineland, de Thomas Pynchon, mas de um mergulho febril na própria incapacidade de encerrar uma luta; seja política, ideológica ou íntima.
Desde o primeiro quadro, percebe-se que Anderson constrói um épico paranoico e labiríntico, um filme que resiste a qualquer classificação simples. Ele mescla o espírito da contracultura dos anos 60, o desencanto sufocante da era Reagan, a brutalidade dos dias atuais e até projeções distópicas de um futuro próximo. Tudo coexiste, tudo se sobrepõe. O tempo não avança em linha reta, mas colapsa sobre si mesmo como uma espiral descendente. O que vemos na tela não é apenas narrativa; é um estado de paranoia histórica, um cinema que parece dizer que a América nunca saiu do mesmo ciclo de repressão, violência e desespero.
DiCaprio vive Bob Ferguson, um ex-revolucionário que envelheceu mal. Suas fitas antigas, os baseados e as paranoias são os restos de uma vida gasta em fracassos políticos e pessoais, sobretudo na relação com Perfidia Beverly Hills, personagem incendiária de Teyana Taylor. Ela surge como musa, amante e ferida aberta, uma insurgente que grita contra as fronteiras e os medos, mas que também afunda em depressão e culpa, tentando equilibrar a luta armada com a maternidade da filha Willa. Essa filha, interpretada com brilho por Chase Infiniti, é o coração do filme. Suas interações com o pai, os diálogos doces e conflituosos, os sermões e as confissões, dão ao filme um eixo emocional sem o qual tudo seria apenas delírio paranoico e pólvora.
Do outro lado, Sean Penn constrói um vilão grotesco e fascinante. O coronel Lockjaw, um militar caricato e perigoso, é retratado como a encarnação do fascismo moderno; brutal, autoritário, mas também patético em suas pequenas vaidades, como lamber o pente para ajeitar o cabelo diante de uma elite supremacista. Anderson filma essa contradição entre poder e ridículo como um mecanismo de tensão constante.
Baseado livremente em Vineland, de Thomas Pynchon, o longa é herdeiro do espírito conspiratório e absurdo do autor, mas Anderson o traz para o presente, substituindo a crítica ao reaganismo por uma alegoria da radicalização política contemporânea nos Estados Unidos. A transposição não apaga o humor absurdo de Pynchon – ainda estão lá as freiras cultivadoras de maconha, os rituais estranhos e as situações que flertam com o ridículo —, mas o diretor injeta neles um aspecto de grandiosidade, transformando-os em espetáculo cinematográfico sem abrir mão da densidade crítica.
Divulgação | Warner Bros. Pictures |
O resultado é formalmente impressionante. As perseguições de carro, algumas filmadas em colinas que surgem e desaparecem como se fossem labirintos viventes, têm a cadência hipnótica de Hitchcock, mas também a energia de um blockbuster moderno. A montagem alterna entre a velocidade caótica da exposição inicial e o prolongamento emocional das cenas mais íntimas, um método que Anderson já explorara em "Magnólia". A trilha de Johnny Greenwood pulsa como uma corrente nervosa que percorre o filme inteiro, e as canções pop de época funcionam como comentários irônicos sobre nostalgia, ruína e desejo.
Ao final, Uma Batalha Após a Outra se impõe como uma obra política no sentido mais radical; não há neutralidade possível, cada personagem está forçado a escolher um lado. Mas o filme vai além do panfleto. É também uma história sobre amor, fracasso e paternidade, sobre como as grandes lutas coletivas sempre atravessam os dramas íntimos. Bob não combate apenas o regime fascista encarnado por Lockjaw, mas a si mesmo, a culpa de ter falhado com Perfidia e a impossibilidade de blindar Willa de um mundo que ele ajudou a incendiar.
Anderson constrói um épico que é, ao mesmo tempo, grandioso e vulgar, absurdo e terno, grotesco e sublime. Há espaço para a violência mais absurda, como uma cena sexual com armas em punho, e para a delicadeza desajeitada de um pai tentando reconectar-se com a filha antes de um baile escolar. Essa oscilação é justamente a prova da maturidade de um cineasta que, após três décadas de carreira, ainda encontra formas de reinventar o espetáculo e transformá-lo em reflexão.
Não é apenas mais um Paul Thomas Anderson. É um filme que pulsa como nervo exposto, que converte cada detalhe em metáfora e cada excesso em estilo. Um blockbuster paranoico, íntimo e político, que merece ser chamado, sem ironia alguma, de obra-prima.
O filme estreia quinta-feira nos cinemas.
Avaliação - 10/10
Dalenogare e vocês falando bem, deve ser filmão.
ResponderExcluirOlha, mesmo sem ter visto o filme, dá pra sentir pela crítica que ele não é só mais um lançamento de Hollywood, mas algo pensado para ser maior do que a própria trama. Adorei a escrita.
ResponderExcluirSENSACIONAALLL!!!
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