Crítica | Terror em Shelby Oaks - É uma obra que revela o amor profundo pelo gênero, mas também os tropeços de um cineasta ainda em formação.

Divulgação | Diamond Films

• Por Alisson Santos 

Por mais que Chris Stuckmann seja um nome familiar para quem vive nas trincheiras do YouTube e das comunidades de crítica cinematográfica, sua transição para o cinema sempre carregou uma expectativa curiosa; o que acontece quando um observador de filmes decide, finalmente, se tornar um autor? Terror em Shelby Oaks é a resposta — imperfeita, instável, mas profundamente pessoal. É o tipo de obra que carrega nas sombras o amor absoluto de quem cresceu respirando o gênero, mas também os tropeços típicos de um cineasta que ainda está aprendendo a usar a câmera como extensão de sua mente.

A trama parece simples, mas é construída sobre um terreno emocionalmente rachado. Mia (Camille Sullivan) é uma mulher obcecada por encontrar respostas sobre o desaparecimento da irmã, Riley (Sarah Durn), líder de um canal do YouTube chamado Paranormal Paranoids. Uma década antes, Riley e seu grupo sumiram após explorar uma cidade abandonada. Agora, restam apenas vídeos, gravações amadoras e a sensação de que o mundo digital — antes espelho da curiosidade — tornou-se uma câmara mortuária da memória.

Desde o prólogo, Stuckmann deixa claro que não quer apenas fazer um filme de sustos; quer lidar com a herança emocional da internet, com a nostalgia da “velha web” e com a forma como o medo migrou das florestas e casas mal-assombradas para dentro das telas e algoritmos. A primeira meia hora, estruturada como um documentário, estabelece esse elo entre o terror analógico e o digital. Há reportagens, clipes de YouTube, trechos caseiros — tudo compondo uma colagem caótica que, de algum modo, espelha o próprio modo como a geração millennial consome o medo; fragmentado, entre o real e o encenado.

Quando a narrativa finalmente se fixa em Mia, Terror em Shelby Oaks encontra um tom mais contemplativo. A protagonista percorre ruínas e vazios — um hospital psiquiátrico, um parque de diversões, uma floresta desabitada — em busca de respostas que talvez não existam. Essa longa travessia funciona melhor como atmosfera do que como suspense. Stuckmann demonstra uma sensibilidade notável para a textura dos espaços; as paredes úmidas, os brinquedos enferrujados, o vento que parece respirar junto à câmera. São momentos que lembram "O Chamado" ou "A Bruxa de Blair", não pela imitação, mas pela compreensão do que o silêncio pode comunicar no terror.

Divulgação | Diamond Films

Mas o cineasta ainda parece dividido entre dois filmes — um falso documentário e um terror clássico — e essa indecisão pesa. O resultado é um híbrido instável, onde as ideias visuais se sobrepõem à fluidez narrativa. O uso de “filmagens encontradas” é ocasional, quase tímido, como se Stuckmann hesitasse em mergulhar totalmente no formato que ele mesmo evoca. Essa hesitação, paradoxalmente, contribui para a sensação de paranoia; nunca sabemos se estamos vendo uma investigação, uma memória ou uma possessão coletiva causada pela própria internet.

Quando Terror em Shelby Oaks adentra o terreno do horror demoníaco, Stuckmann finalmente se solta. A influência de Mike Flanagan (produtor do filme) é visível na maneira como o medo é mais sugerido do que mostrado — rostos desfocados, ruídos quase inaudíveis, objetos deslocados no enquadramento. Não há CGI grotesco nem sustos artificiais; o horror aqui é artesanal, construído com paciência e uma compreensão quase litúrgica da espera. Talvez o maior defeito de Terror em Shelby Oaks seja também sua confissão mais honesta; Stuckmann é um analista de filmes tentando traduzir a lógica do comentário para o cinema. Por isso, as passagens expositivas — como a sequência em que Mia folheia fotografias que “explicam” o enredo — soam mecânicas, quase como slides de uma apresentação. É como se o filme, por um instante, se lembrasse de que nasceu de um YouTuber e precisasse justificar cada lacuna. Nesses momentos, o medo se dilui em didatismo.

Ainda assim, há algo de genuíno e perturbador na forma como o filme fala sobre o luto e a cultura digital. A busca de Mia pela irmã perdida é, no fundo, a busca de toda uma geração que tenta reencontrar o significado em um mundo onde tudo foi gravado, mas nada foi lembrado. O terror nasce da constatação de que a internet preserva as imagens, mas não as almas. Que nossos mortos continuam a piscar na tela, pixelados, sem nunca desaparecer de fato.

O filme estreia dia 30 de outubro nos cinemas.

Avaliação - 7/10

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