Conto | Quando a Dúvida Venceu o Fim

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• Por Alisson Santos 

Ninguém soube exatamente quando ela apareceu. Entre os escombros de uma rua velha, onde o tempo parecia ter desistido de andar, surgiu uma porta. Era uma Terceira Porta, entre o nascimento e a vida, entre o que é e o que poderia ter sido. Alta, feita de madeira escura e marcada por símbolos que pareciam se mover sob o olhar, era impossível ignorá-la. Mas poucos ousavam se aproximar.

Aqueles que se atreviam... não voltavam.

Jonas era um filósofo desacreditado. Já escrevera tratados sobre ética, livros sobre a natureza da alma, mas agora morava num porão, alimentando ratos e dúvidas. A Terceira Porta o fascinava não pela esperança - ele a havia abandonado -, mas pela promessa de algo que ninguém podia descrever. Como toda boa ideia.

Na noite em que decidiu atravessá-la, escreveu em seu diário:

“Se a vida é uma pergunta, talvez a morte seja a resposta. E se for, quero entender a pergunta antes.”

Dentro da Porta, o mundo era um labirinto de espelhos flutuantes, mas também de corredores impossíveis, cheios de portas menores - e vozes.

A primeira voz veio de uma criança:

- "Por que você quis entender a morte, Jonas? Por que não apenas viveu?"

A voz vinha de um espelho onde ele era jovem, brincando com o pai no parque. Era uma lembrança ou um universo em que ele decidira ser feliz.

- "Porque não basta viver. Viver sem entender é um tipo de morte."

A criança riu. E sumiu.

Ele seguiu adiante.

A Segunda Porta se abriu sozinha. Lá, encontrou uma mulher cega vestida de branco. Ela se apresentou como Alétheia, a Verdade.

- “Você quer a verdade, Jonas?”, ela perguntou.

- “Quero. Sempre quis.”

- “Então deve morrer em todas as versões de si mesmo.”

E assim, ela mostrou.

Viu-se morrendo jovem, afogado. Velho, sozinho. Assassinado por um discípulo. Morrendo por amor. Morrendo por desespero. Morrendo de riso. Cada morte era um reflexo de uma vida diferente. Cada fim, uma pergunta: "E se você tivesse escolhido diferente?"

Mas Alétheia não o deixou chorar. Ela apontou para um trono vazio no centro do labirinto.

- “Sente-se. Torne-se seu próprio juiz.”

Ali, o dilema; ele agora conhecia todas as suas mortes possíveis. Teria que escolher uma delas - e com ela, aceitar a vida que a precedeu.

Jonas hesitou.

- “E se eu não quiser nenhuma?”

Alétheia sorriu pela primeira vez.

- “Então siga pela terceira trilha.”

Na terceira trilha, não havia espelhos. Havia sombras.

Ali, encontrou três figuras encapuzadas: Kairós (o Tempo Oportuno), Mnemosyne (a Memória) e Lethe (o Esquecimento).

Cada um ofereceu um destino:

- Kairós: “Volte à vida com o conhecimento que ganhou. Viva uma última vez, sabendo tudo que viu.”
- Mnemosyne: “Permaneça aqui. Torne-se uma Voz na Porta. Oriente os que virão.”
- Lethe: “Apague tudo. Deixe de ser. E finalmente tenha paz.”

Jonas não respondeu de imediato. Passou dias - ou o que seriam dias, naquele lugar sem tempo - refletindo.

Kairós oferecia sabedoria, mas com ela o fardo de viver entre os cegos, gritando em silêncio.

Mnemosyne oferecia propósito, mas à custa de nunca mais tocar o mundo, apenas sussurrar para os que ousassem cruzar.

Lethe oferecia alívio, mas o preço era a aniquilação do eu - e Jonas, apesar de tudo, amava sua dúvida demais para deixá-la morrer.

Ele fez o impensável.

Voltou à sala dos espelhos. Estilhaçou todos com um pensamento:

"A vida não é uma, e a morte também não precisa ser."

A Terceira Porta se abriu de novo, atrás dele.

Mas agora, ela levava a um campo sem fim. Nenhuma estrada. Nenhuma instrução.

Somente liberdade.

Jonas atravessou.

E se transformou na Quarta Coisa.

Algo entre o vivo e o morto. Entre o que sabe e o que procura.

Dizem que a Porta ainda está lá. Mas agora, há uma figura sentada diante dela. Um homem com olhos que contêm espelhos. Ele não fala, a menos que você pergunte:

- “O que vem depois?”

E então, talvez, ele sorria e responda:

- “O que você tiver coragem de imaginar.”

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