A delicada armadilha do amor em "Spider Rose" de Love, Death & Robots: Volume 4

Divulgação | Netflix

• Por Alisson Santos 

Spider Rose, do Volume 4 de Love, Death & Robots, é mais do que um episódio de ficção científica. É uma alegoria feroz e desconfortável sobre amor, dor, trauma e a transformação violenta que, muitas vezes, esses elementos provocam na psique humana. A obra não fala apenas sobre um encontro com o alienígena, mas sobre o que resta de nós quando o amor falha, quando o mundo nos destrói, quando ser vulnerável deixa de ser uma opção.

A protagonista, Lydia, emerge como o retrato cru daquilo que o trauma faz com a identidade. Após uma tragédia que quebra sua estabilidade, ela se reconstrói, ou talvez se desconstrói, sob a alcunha simbólica de Spider Rose. E esse nome não é gratuito. A aranha é o arquétipo da tecelã do destino, da manipuladora da própria realidade, do controle absoluto, e também da predadora, da paciente, da calculista. A rosa, por sua vez, traz consigo o paradoxo da beleza efêmera, do desejo e da defesa. É o que seduz, encanta, mas também fere, afinal, toda rosa tem espinhos. Juntas, essas duas imagens constroem uma metáfora perfeita; Lydia se tornou tão bela quanto letal, tão desejável quanto perigosa, tão estrategista quanto profundamente marcada pela dor.

Essa dualidade se estende também à criatura alienígena que Lydia adota; um ser que funde, de maneira desconcertante, a estética da aranha com a delicadeza de uma flor. Ela é, simultaneamente, sedutora e ameaçadora, oferecendo uma experiência sensorial que oscila entre fascínio e repulsa. Aqui, o episódio mergulha na essência do conceito freudiano de unheimlich, o estranho-familiar. Aquilo que reconhecemos em sua forma, mas que nos perturba profundamente, pois revela algo oculto e desconfortável sobre nós mesmos.

O isolamento espacial de Lydia não é um mero pano de fundo sci-fi. É a representação literal do isolamento emocional, da alienação, da desconexão que o trauma impõe. O cosmos, vazio, silencioso e indiferente, se torna o espelho exato de sua própria alma devastada. O vácuo ao seu redor é o mesmo que carrega dentro do peito. Assim como a teia que ela tece, sua existência passa a ser um emaranhado de memórias, defesas, obsessões e dores não cicatrizadas.

A teia, por sinal, não serve apenas para capturar presas. Ela também segura pedaços de um passado que Lydia se recusa a deixar morrer. Nesse contexto, o amor não desaparece, ele é transfigurado. Deixa de ser algo nutritivo e se torna algo corrosivo, uma obsessão, uma simbiose disfarçada. A criatura que ela encontra, ou que encontra nela, é tanto um reflexo do desejo de conexão quanto do medo de ser ferida novamente. Aqui surge o dilema brutal; o que parece amor, muitas vezes, não passa de uma negociação biológica inconsciente, um acordo silencioso entre carência, desejo, proteção e sobrevivência.

No fundo, a pergunta que ecoa como um grito abafado ao longo de Spider Rose é; quando amamos, estamos amando o outro ou apenas aquilo que o outro oferece; segurança, companhia, validação, alívio do vazio? Existe amor desinteressado ou somos todos, inevitavelmente, prisioneiros de uma simbiose emocional?

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A metamorfose de Lydia, então, não é poética. É violenta. Ela não se torna Spider Rose por um desejo criativo, mas por pura necessidade de não ser esmagada pelo próprio vazio. A transformação não é libertação, é um mecanismo de defesa. E como todo mecanismo de defesa, cobra um preço alto; o preço de perder partes fundamentais da própria humanidade.

O episódio, em sua camada mais cruel, revela como o ciclo da dor se perpetua. A aranha não caça por maldade. Ela caça porque é sua natureza. Assim também Lydia; ao tentar não mais ser vítima, inevitavelmente, torna-se predadora. A teia que antes a protegia, agora também aprisiona. E o que antes parecia um gesto de autodefesa, se revela como a reprodução dos mesmos padrões de controle, de opressão e de destruição que, um dia, a feriram.

O amor, portanto, aparece distorcido. Não como refúgio, mas como prisão. Uma prisão construída com os fios da própria necessidade de sobreviver. E talvez essa seja a verdade mais amarga que Spider Rose entrega sem piedade; por mais que tentemos nos tornar inatingíveis, por mais que nos armemos contra o mundo e contra a dor, o sofrimento encontra outras formas de nos habitar. Ele se infiltra nas nossas estruturas, nas nossas escolhas, naquilo que construímos para nos proteger. A dor, como o amor, é um invasor biológico e psicológico. E se não cuidamos, ela passa a ser parte de quem somos.

O desfecho do episódio é um soco seco no espectador. Não há redenção, não há catarse, não há esperança fácil. Há apenas a constatação cruel de que toda teia que nos protege também pode ser a nossa prisão. Que toda simbiose traz embutido um potencial de parasitismo. Que todo amor carrega em si a semente do desejo, do controle, do medo e da perda.

Spider Rose não é, no fundo, uma ficção sobre alienígenas. É um espelho sujo onde somos forçados a encarar as verdades mais desconfortáveis sobre nós mesmos. Amar é, sim, um ato de transcendência. Mas é também, e talvez principalmente, um ato de risco. Um risco constante de sermos transformados, consumidos e, às vezes, destruídos por aquilo que escolhemos amar.

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