Os 15 filmes que mais me marcaram na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Divulgação | Mostra de São Paulo

• Por Alisson Santos 

Entre salas cheias, debates acalorados e aquele burburinho típico da Mostra, assisti a dezenas de filmes — e saí transformado por pelo menos quinze deles. A 49ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo reafirmou o que o evento tem de mais precioso; a sensação de que o cinema ainda pode surpreender, inquietar e abrir novas frestas no olhar. Entre produções brasileiras e internacionais, descobertas autorais e consagrados do circuito de festivais, esses foram os títulos que mais ficaram comigo — seja pela força estética, pelas ideias ousadas ou simplesmente pelo impacto emocional que deixaram quando as luzes se acenderam.

1° No Other Choice (Coreia do Sul)


Park Chan-wook transforma esse drama em parábola universal sobre o capitalismo tardio — um sistema que promete sucesso, mas entrega exaustão, que transforma cada ser humano em peça substituível. O que o diretor faz aqui é mostrar o que acontece quando essa engrenagem queima por dentro e o indivíduo, finalmente, tenta sobreviver ao próprio descarte.

2° Bugonia (Reino Unido)


Bugonia não é um filme sobre alienígenas, mas sobre a contaminação da crença. Lanthimos nos pergunta; e se a fé cega em qualquer narrativa — científica, religiosa, corporativa — for apenas outra forma de colmeia, pronta para devorar o próprio mel? O resultado é uma obra profundamente contemporânea, tão divertida quanto devastadora, que reafirma o diretor grego como o cronista mais perverso do absurdo humano.

3° Sorry, Baby (Estados Unidos)


Sorry, Baby é o tipo de filme que entende que o trauma não precisa ser o centro da existência, mas que nunca desaparece completamente. É o cinema da ferida que cicatriza torta, da risada que vem na hora errada, do amor que reaparece tímido, mas ainda possível. Uma obra agridoce, sensível e profundamente humana — um lembrete de que, mesmo depois da coisa ruim, o mundo insiste em nos chamar de volta.

4° Pai Mãe Irmã Irmão (Estados Unidos, Irlanda, França)


Jim Jarmusch observa o cotidiano familiar com a paciência de quem já entendeu que as relações humanas não se resolvem, apenas se repetem em novos tons, novos silêncios. Ele não julga, não explica, não dramatiza. Apenas filma — e, ao filmar, transforma o banal em poesia.

5° O Agente Secreto (Brasil, França, Holanda, Alemanha)


Mais do que um filme sobre a ditadura, O Agente Secreto é um filme sobre o ato de lembrar em tempos de apagamento. E lembrar, aqui, é um gesto político. É por isso que o longa ressoa tanto no presente; o Brasil de 1977 e o Brasil de 2025 parecem se encontrar nas mesmas sombras, nas mesmas promessas de esquecimento. Kleber, porém, insiste em que o cinema ainda é capaz de acender pequenas luzes nesse breu — mesmo que apenas por alguns segundos.

6° Jovens Mães (França, Bélgica)


Jovens Mães é um filme sobre a infância que sobrevive à infância, sobre o amor que nasce antes do entendimento. Os Dardenne, fiéis à sua ética, seguem acreditando que todo sofrimento carrega uma semente de bondade — ainda que ela nunca floresça por completo.

7° Foi Apenas um Acidente (Irã, França, Luxemburgo)


Na sessões da Mostra de São Paulo, Foi Apenas um Acidente foi saudado como um manifesto pela liberdade de expressão. E é, sim. Mas seria injusto reduzi-lo a isso. O filme não é apenas uma resistência política — é uma meditação profunda sobre culpa, acaso e responsabilidade. É sobre o que fazemos quando não há mais leis que nos protejam, nem moral que nos guie. Panahi responde filmando. Porque, para ele, filmar é o último refúgio possível da verdade.

8° Blue Moon (Estados Unidos, Irlanda)


Blue Moon é menos sobre um artista esquecido e mais sobre o instante em que a arte deixa de salvar quem a cria. É um filme sobre o eco — sobre o som que permanece depois que a música acaba. Poucos diretores conseguiriam equilibrar tanta ternura e crueldade sem cair na autocomiseração. Linklater, com seu olhar paciente e profundamente humano, faz de Blue Moon um réquiem para todos os artistas que viveram brilhando em salões alheios. E Ethan Hawke, em sua melhor atuação desde "Antes da Meia-Noite", entrega um retrato inesquecível de um homem que transforma o fracasso em poesia.

9° Frankenstein (Estados Unidos)


Por mais de dois séculos, a criatura de Mary Shelley tem sido uma espécie de espelho deformado da humanidade — um reflexo pálido e monstruoso daquilo que desejamos controlar, mas não compreendemos. Em Frankenstein, Guillermo del Toro transforma esse espelho em um vitral; atravessado pela luz, pela dor e por um tipo raro de beleza que só o gótico compreende. O resultado é um filme de assombrosa melancolia, um hino à imperfeição que reconcilia o horror com o sagrado.

10° Vainilla (México)


A protagonista, Roberta (Aurora Dávila), de apenas oito anos, observa o mundo como quem tenta decifrar um idioma que os adultos esqueceram de traduzir. Ela vive cercada por seis mulheres — tias, primas, avós, mãe — todas apelidadas pejorativamente de “as enfermeiras” pela vizinhança, um rótulo que sugere tanto estranheza quanto santidade. Essa casa de mulheres é o núcleo afetivo e simbólico de Vainilla; um espaço onde o feminino não é apenas resistência, mas também invenção cotidiana diante da miséria e do esquecimento.

11° Pipas (Brasil)


Pipas entende que o cinema pode ser esse fio que liga o chão ao invisível, que a arte pode servir para suspender a dor sem negá-la. Walter Thompson-Hernández estreia com uma obra imperfeita, mas profundamente sincera. Seu filme é pequeno em escala, mas vasto em intenção. Ele olha para o Brasil e vê nele algo universal; o desejo de continuar acreditando, mesmo quando o mundo parece ter desaprendido a ter fé.

12° A Memória do Cheiro das Coisas (Portugal, Brasil)


Há filmes que não buscam contar uma história, mas exalar uma lembrança. A Memória do Cheiro das Coisas, novo trabalho do português António Ferreira, é um desses raros exemplares — um cinema que não se vê com os olhos, mas se sente na pele. Com uma delicadeza quase cruel, o diretor transforma a decadência da velhice e o peso da culpa histórica em matéria poética, onde cada silêncio, cada cheiro e cada olhar carregam o fantasma de um passado que se recusa a morrer.

13° O Filho de Mil Homens (Brasil)


O Filho de Mil Homens é menos uma história sobre um pai e um filho e mais uma meditação sobre o que significa pertencer. É sobre pessoas que, por algum motivo, foram deixadas de fora do mundo — e que decidem, juntas, inventar um novo. Um lar não como espaço físico, mas como estado de acolhimento. Daniel Rezende cria aqui seu trabalho mais maduro e sincero, um filme que pulsa de ternura e coragem, que se recusa a desistir da beleza.

14° Em Outro Lugar à Noite (Canadá)


O título Em Outro Lugar à Noite já anuncia o coração pulsante do filme de estreia de Marianne Métivier; a procura por um espaço que não é geográfico, mas existencial. Um lugar que só existe entre o cansaço e o sonho, entre o silêncio e o som, entre o desejo e o desaparecimento. O longa não quer contar uma história linear, mas tatear um estado de espírito — o das mulheres que vivem em suspensão, flutuando entre mundos que já não as acolhem e outros que ainda não se formaram.

15° Sirât (França, Espanha)


Sirât caminha sobre o fio que separa a arte do artifício, o êxtase do esgotamento. E, como a ponte islâmica que o batiza, só quem aceita o risco da queda pode vislumbrar o outro lado. No silêncio final, depois que o som se extingue e o deserto volta a respirar, o que resta é a sensação de ter atravessado algo maior que um filme — um rito. E, como todo rito verdadeiro, Sirât não pede compreensão. Pede rendição.

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