| Divulgação | HBO Max |
• Por Alisson Santos
O quarto episódio de IT: Bem-vindos a Derry representa, sem dúvida, um ponto de inflexão na narrativa da série; é no coração deste capítulo que o mito de Pennywise deixa de ser apenas uma presença espectral e se revela como uma ameaça ancestral, cujas raízes se estendem para além das ruas sombrias de Derry. Sob a direção de Andy Muschietti, a história mergulha em uma mitologia profunda, explorando a lenda dos Galloo — uma criatura cósmica e primordial — e entrelaçando-a com a trajetória de Pennywise de maneira que honra Stephen King, ao mesmo tempo em que expande seu universo.
Desde o início, o episódio acerta ao equilibrar com mais precisão os elementos visuais. Embora o CGI ainda desempenhe papel importante nas manifestações sobrenaturais, nota-se um uso mais generoso de maquiagem prática e sombras — um ressurgimento tangível do terror mais clássico, que contrasta com as explosões visuais típicas de efeitos digitais. As silhuetas inquietantes, os balões vermelhos — símbolos tão clássicos da franquia — reaparecem como presságios, pontuando o episódio sem cair na previsibilidade. Esse retorno ao artesanal ajuda a ancorar a série em uma atmosfera de horror visceral, menos dependente da tecnologia e mais envolvida na suposição do desconhecido.
O grande triunfo do episódio, porém, está na forma como ele revela a origem de Pennywise. Em vez de entregar uma explicação simplista ou dedicar o tempo integral a um flashback, a narrativa intercala o passado antigo com o presente, mantendo o ritmo e o mistério. Por meio das memórias de Taniel, acessadas pela habilidade de Hallorann, somos transportados para um tempo “milhões de anos atrás”, antes mesmo do surgimento dos primeiros povos da Terra. É aí que a lenda da tribo Shokopiwah ganha vida; segundo a mitologia apresentada, uma entidade foi banida do céu através de uma estrela cadente e caiu na Terra, liberando um espírito maligno, uma entidade disforme e predadora que se tornaria conhecida como Galloo.
A narrativa indígena não é apenas um artifício; ela estrutura a própria mitologia da série, atribuindo uma ancestralidade profunda e ligada à terra para Pennywise. A adaga feita de fragmentos da estrela cadente, usada como proteção contra o Galloo, não serve apenas como objeto mágico, mas como símbolo de resistência cultural. Quando Necani, filha da líder tribal Sesqui, arrisca sua vida para roubar essa adaga e adentrar nas florestas proibidas, testemunhamos um ato de coragem que transcende o simples heroísmo — ela está resguardando a memória de seu povo, construindo uma fortaleza simbólica (e literal) que aprisionará a criatura dentro das matas. A construção dessa barreira, que aprisiona a criatura e define os limites geográficos do poder que Pennywise exercerá séculos depois, é um dos momentos mais visualmente marcantes de toda a temporada. A série consegue transformar um ato ancestral em uma chave narrativa que ecoa até os filmes de 2017 e 2019.
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E é justamente na revelação final — a conexão entre as florestas místicas e a casa da Neibolt Street — que o episódio encontra seu momento mais sombrio. A sensação não é apenas de entendimento, mas de aproximação. O horror está mais perto do que imaginávamos; o passado e o presente se tocam, e o espectador entende que o caminho que leva ao monstro é o mesmo que sempre esteve ali, diante de nós, esperando para ser aberto.
Comparado ao material de Stephen King, o episódio faz alterações ousadas, mas com reverência. No romance original, “It” é descrito como uma entidade interdimensional que existiu por milhões de anos, e sua origem é menos ligada a lendas indígenas e mais à sua natureza alienígena. Aqui, a série introduz a mitologia dos Shokopiwah e dos Galloo, elementos que surgiram nos filmes de Muschietti e agora são ampliados para dar densidade histórica e cultural à ameaça. Essa abordagem expande a mitologia sem contradizê-la, oferecendo uma leitura nova e relevante para os dias de hoje.
Além disso, o episódio ecoa questões sociais e decoloniais; ao centrar a mitologia na tribo Shokopiwah, ele devolve protagonismo aos povos indígenas e atribui a eles o papel de guardiões de um segredo ancestral. Esse viés dá mais propósito à série, não apenas como entretenimento de horror, mas como reflexão sobre memória, território e poder. A decisão de Muschietti e dos roteiristas de abordar essa dimensão cultural reforça a ideia de que o mal em Derry não é apenas sobrenatural — é também enraizado em histórias de conquista, resistência e apagamento.
No fim, o quarto episódio é um triunfo silencioso, um ponto de virada que recoloca a série nos trilhos e lembra ao público que, antes de palhaços e balões, “It” sempre foi sobre a persistência do medo — aquele que atravessa eras, corpos, florestas e ruas, adaptando-se às formas que mais nos ferem. E, ao que tudo indica, a série está apenas começando a explorar o alcance real desse medo.
O quarto episódio vai ao ar às 23h, na HBO e na HBO Max.
Avaliação - 8/10
Ansioso!
ResponderExcluirGostei muito desse episódio 😍
ResponderExcluirIcônico...
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