| Divulgação | HBO Max |
• Por Alisson Santos
Dentro do vasto multiverso criado por Stephen King, poucas habilidades sobrenaturais são tão misteriosas, poderosas e recorrentes quanto o chamado brilho — ou, como ficou eternizado, o Iluminado. Embora a expressão tenha se popularizado com O Iluminado (1977), estrelado por Jack Torrance e seu filho Danny, o fenômeno vai muito além do Overlook Hotel. Ele aparece, sob diferentes nomes e intensidades, em diversos livros de King, conectando personagens, eventos e até dimensões. Não é apenas um poder psíquico; é uma forma de sensibilidade espiritual que parece estar diretamente ligada às forças maiores que regem o multiverso, incluindo a Torre Negra, os feixes e as entidades que moldam todos os mundos.
No centro desse conceito está Danny Torrance, provavelmente o Iluminado mais icônico da literatura contemporânea. Seu brilho permite ver o passado, o futuro e o lado espiritual das coisas — um dom que transforma a infância em um campo de batalha entre sua inocência e o horror vivo do Overlook Hotel. O que Danny enxerga não são apenas fantasmas; ele vê rachaduras na realidade, um tipo de abertura entre o mundo físico e forças que pertencem ao Todash, o vazio primordial. É por isso que o Overlook é tão perigoso para ele; não porque o hotel o assombra, mas porque reconhece nele a energia de quem pode enxergar o que existe por trás das paredes do mundo.
Entretanto, Danny não está sozinho. Aos poucos, as obras de King revelam uma constelação de personagens com habilidades semelhantes, formando aquilo que os fãs e alguns estudiosos da obra chamam de os Iluminados — uma espécie de linhagem espiritual que se repete em épocas e lugares diferentes. Em Doutor Sono, a continuação direta de O Iluminado, conhecemos Abra Stone, uma menina cujo brilho é tão intenso que parece provocar ondas psíquicas capazes de serem sentidas a quilômetros de distância. Ela representa a evolução natural desse dom, alguém que não só enxerga o invisível, mas interage com ele, manipula-o e o confronta de forma consciente.
Ao longo da obra de King, esse poder também aparece em outras narrativas sob diferentes nomes. Em Insônia, Ralph Roberts desenvolve uma visão que lhe permite enxergar as auras das pessoas e criaturas extradimensionais relacionadas diretamente à Torre Negra. Embora o livro nunca use o termo “brilho”, fica claro para os leitores que Ralph possui uma versão adulta e evoluída do Iluminado — uma sensibilidade tão poderosa que o aproxima de entidades cósmicas como o Rei Rubro e os agentes de Gan. Já em A Zona Morta, Johnny Smith manifesta habilidades premonitórias após um acidente, tocando pessoas e enxergando futuros possíveis. Embora seu poder seja mais limitado e traumático, a origem é semelhante; uma abertura sensorial para feixes e possibilidades que normalmente passam despercebidos aos humanos comuns.
| Divulgação | Warner Bros. Pictures |
Essa recorrência revela algo fundamental sobre o multiverso de King; o Iluminado é um dom, mas também é uma antena, uma forma de contato com as forças que sustentam ou ameaçam os mundos. Em O Iluminado, o Overlook tenta consumir Danny justamente porque precisa da energia de seu brilho para manter-se vivo. Em Doutor Sono, o grupo vampírico conhecido como Nó Verdadeiro se alimenta daqueles que possuem o brilho — um indicativo claro de que essa habilidade produz uma energia que transcende o corpo, algo que o Todash e suas criaturas percebem, desejam e perseguem.
Outra faceta importante é como o brilho se manifesta de maneiras diferentes, quase como se cada pessoa tivesse uma “frequência” específica dentro de um espectro maior. Alguns podem mover objetos com a mente; outros veem espíritos; outros enxergam além do tempo; e alguns — como Abra ou Danny — fazem tudo isso simultaneamente. Essa variação sugere que o Iluminado não é uma mutação individual, mas um princípio universal, uma força que se manifesta sempre que a realidade precisa de um intermediário, alguém capaz de notar falhas, rupturas e invasões vindas de lugares que os olhos comuns jamais alcançariam.
Esses personagens, espalhados por diferentes obras e épocas, formam uma espécie de “rede invisível” dentro da literatura de King. Eles não se conhecem, não fazem parte de uma organização, mas compartilham um mesmo destino; enxergar o mundo como ele realmente é, com toda a sua beleza e seu horror. São faróis em mundos onde o sobrenatural frequentemente se move silencioso, esperando rachaduras para atravessar. Eles são, de certa forma, os guardiões involuntários de um equilíbrio que nem sequer compreendem plenamente.
E é justamente aí que Stephen King cria um dos aspectos mais fascinantes de sua mitologia; o brilho não é um superpoder; é um fardo. Os Iluminados carregam a responsabilidade de perceber o que ninguém mais percebe — e isso os torna vulneráveis, perseguidos e, muitas vezes, destruídos por forças que desejam essa energia. Mas também os torna essenciais no equilíbrio entre os mundos. Cada um, à sua maneira, participa de uma grande luta que acontece muito além das fronteiras de suas histórias individuais.
Comentários
Postar um comentário