Pacificador (2° Temporada) - É uma comédia de ação com coração, tão ridícula quanto comovente, capaz de rir do próprio absurdo enquanto pergunta, de forma séria: “Quem você seria se pudesse começar de novo?”
Divulgação | HBO Max |
• Por Alisson Santos
A primeira temporada de Pacificador chegou como um acidente glorioso; ninguém apostava muito em um spin-off de um personagem secundário de O Esquadrão Suicida, e, ainda assim, James Gunn transformou Christopher Smith em um dos anti-heróis mais carismáticos, e mais contraditórios, da cultura pop recente. Era uma série que abraçava o ridículo, mas escondia, no subtexto, uma reflexão sincera sobre violência, paternidade e a eterna busca por aceitação.
Agora, com a segunda temporada, o desafio era inevitável; como manter a energia anárquica do primeiro ano sem cair na repetição e, ao mesmo tempo, expandir o universo em um momento em que a DC passa por reestruturações narrativas e de tom? Gunn responde com uma abordagem inteligente,não tentando superar o caos da estreia, mas aprofundando os personagens, seus dilemas e suas feridas. É como trocar um show de fogos de artifício por um espetáculo onde cada explosão tem peso dramático.
Logo no início, a trama amarra as pontas deixadas pelo primeiro ano; Pacificador e sua equipe estão lidando com as consequências públicas e pessoais da conspiração alienígena revelada anteriormente. A partir daí, um dispositivo narrativo ousado, a descoberta de uma passagem para um universo paralelo, coloca Christopher diante de uma versão alternativa de sua própria vida.
O dilema que se desenha não é apenas físico, mas existencial; permanecer no mundo onde ele carrega culpas, traumas e cicatrizes, ou fugir para um lugar onde decisões diferentes o moldaram em outro tipo de homem? Gunn aproveita o conceito de multiverso não como pretexto para fan service, mas como espelho psicológico. No episódio 5, o último que foi liberado para nós pelo HBO Max, esse conflito chega ao ápice, e John Cena prova mais uma vez que é capaz de equilibrar timing cômico com momentos de vulnerabilidade genuína.
Jennifer Holland tem nesta temporada seu melhor momento como Harcourt. A personagem, antes fechada em sua armadura emocional, ganha flashbacks reveladores que mostram as origens de sua desconfiança e resiliência. Não é um arco gratuito — cada nova camada adicionada à sua história reforça a química (e as tensões) com o Pacificador.
Freddie Stroma retorna como o Vigilante, o sociopata mais adoravelmente desastrado da televisão. Seu arco é mais leve, sem tanta densidade quanto os demais, mas sua presença é crucial para evitar que o peso dramático da temporada sufoque o humor corrosivo que define a série. Ele é o lembrete vivo de que, mesmo em meio a crises existenciais, ainda há espaço para absurdos impagáveis.
O elenco de apoio também se beneficia de momentos memoráveis; a águia Igly não apenas volta a roubar a cena, como protagoniza dois episódios em que o humor físico beira o surreal — um deles com participação delirante de Mickey Rourke, que prova que o nonsense pode ser elevado à categoria de arte.
Divulgação | HBO Max |
Se há um terreno onde Gunn reina absoluto, é o dos “personagens B” — figuras imperfeitas, deslocadas e por vezes detestáveis, mas que, sob seu olhar, revelam fragilidades e contradições irresistíveis. Aqui, ele retoma a fórmula que funcionou em Guardiões da Galáxia e O Esquadrão Suicida, o humor escrachado não serve apenas para arrancar risos, mas para humanizar.
A violência gráfica é coreografada com criatividade de quadrinho underground. Há cenas de desmembramento tão absurdas que fazem o espectador rir com culpa. O humor negro é afiado, ainda que às vezes escorregue para piadas fáceis (sim, há mais piadas de bunda do que o necessário). Mas o que mantém tudo coeso é o coração da história; o questionamento sobre propósito e pertencimento.
Enquanto a primeira temporada era um rolo compressor de situações insanas, esta segunda opta por um ritmo um pouco mais controlado. O primeiro episódio é mais expositivo, situando os personagens após os eventos anteriores e explicando sua posição dentro do novo status quo da DC. É a partir do segundo capítulo que o caos começa a escalar, e aí sim reencontramos o sabor da insanidade Gunniana.
O multiverso é explorado sem a obrigação de conectar a série ao resto da DC de forma sufocante. Para aproveitar Pacificador, basta ter visto a primeira temporada (e, de preferência, o Esquadrão Suicida de Gunn e o recente Superman). Essa autonomia é refrescante num momento em que franquias se perdem em teias de referências cruzadas.
Talvez o maior mérito desta segunda temporada seja equilibrar duas forças opostas; a comédia anárquica que fez o público se apaixonar e um mergulho mais profundo nas feridas dos personagens. O resultado é uma narrativa que não teme desacelerar para dar espaço a conversas significativas — sem nunca esquecer que, no fim do dia, ainda estamos vendo um sujeito de collant com um capacete horrível na cabeça enfrentar vilões dignos de quadrinhos pulp.
No saldo final, Pacificador retorna sem o impacto surpresa do primeiro ano — e nem precisa disso. Ao invés de tentar ser maior ou mais chocante, a série amadurece junto de seu protagonista, encontrando novos ângulos para explorar suas falhas e virtudes. É uma comédia de ação com coração, tão ridícula quanto comovente, capaz de rir do próprio absurdo enquanto pergunta, de forma séria: “Quem você seria se pudesse começar de novo?”
James Gunn responde com um sorriso cínico e um aperto no peito. E nós, espectadores, seguimos rindo — talvez um pouco mais conscientes de por que rimos.
A série retorna para sua segunda temporada de oito episódios na quinta-feira, 21 de agosto, às 22h na plataforma de streaming.
Avaliação - 8/10
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