Um gigante em colapso

Divulgação | Sport Club Corinthians Paulista

• Por Alisson Santos 

O Sport Club Corinthians Paulista atravessa um dos períodos mais turbulentos de sua história centenária. Se, dentro de campo, o time luta para manter competitividade, fora dele a crise assume contornos devastadores, misturando rombos financeiros bilionários, disputas de poder internas e um processo político que culminou no impeachment de seu presidente, Augusto Melo, em agosto de 2025. O clube, que sempre carregou a alcunha de “time do povo”, hoje é símbolo de como a má gestão, aliada a decisões precipitadas, pode colocar em xeque o futuro de uma instituição esportiva.

A situação financeira é alarmante. Ao fim de 2024, o Corinthians registrou um déficit de mais de R$ 181 milhões, acumulando uma dívida total que já ultrapassa a marca de R$ 2,5 bilhões. É o maior endividamento do futebol brasileiro, superando rivais históricos e expondo a fragilidade administrativa de um clube que, paradoxalmente, bateu recorde de receitas no mesmo período. Foram mais de R$ 1,1 bilhão arrecadados em patrocínios, bilheteria, direitos de TV e transferências, mas, ainda assim, a estrutura de custos descontrolados fez o saldo final ser desastroso. Apenas com folha salarial e encargos do futebol profissional, o clube desembolsou cifras que ultrapassam os R$ 117 milhões, valor que, diante da ausência de títulos expressivos e das eliminações precoces nas principais competições, tornou-se insustentável.

A dívida, por sua vez, não é apenas volumosa; ela é diversificada e de difícil controle. Parte dela está vinculada ao financiamento da Neo Química Arena, obra que se tornou um marco para a história do clube, mas que, ao mesmo tempo, pesa como uma âncora nas finanças. Outras parcelas dizem respeito a tributos atrasados e parcelados com a União, além de débitos com instituições financeiras e fornecedores. A consultoria independente que auditou as contas do Corinthians descreveu o cenário como de “risco elevado”, alertando que, sem uma renegociação profunda, o clube corria perigo de inviabilizar seu funcionamento regular.

Foi nesse ambiente caótico que explodiu também a crise política. Augusto Melo, eleito em 2023 com o discurso de renovação e transparência, acabou afundado em denúncias relacionadas ao contrato de patrocínio firmado com a casa de apostas VaideBet, avaliado em R$ 370 milhões. O acordo, anunciado com pompa como o maior da história do clube, rapidamente passou a ser alvo de investigações da Polícia Civil e do Ministério Público, que apontaram indícios de lavagem de dinheiro, associação criminosa e desvio de recursos. A pressão interna se tornou insustentável. Conselheiros, opositores e até antigos aliados passaram a cobrar respostas, enquanto torcedores organizados protestavam dentro e fora do Parque São Jorge.

Divulgação | Sport Club Corinthians Paulista

Em maio de 2025, o Conselho Deliberativo votou pelo afastamento temporário de Melo, e o vice-presidente Osmar Stabile assumiu interinamente a gestão. Três meses depois, em agosto, veio o golpe final; em assembleia geral, os sócios aprovaram o impeachment por ampla maioria. Melo foi destituído e tornou-se réu em processos criminais, com pedido de indenização milionária contra si e outros dirigentes. O episódio abriu uma ferida rara na política corintiana, expondo fissuras que dificilmente serão cicatrizadas a curto prazo. Pela primeira vez em décadas, a instabilidade administrativa do clube não é apenas reflexo de vaidades internas, mas também de uma gestão marcada por escândalos com repercussão judicial.

A combinação entre as duas crises — financeira e política — ameaça não só o presente, mas também o futuro do Corinthians. Fora das competições continentais em 2025, o clube deixou de arrecadar mais de R$ 240 milhões em premiações, valor que poderia aliviar parte das contas. Para enfrentar os credores, a diretoria atual optou por aderir ao Regime Centralizado de Execuções (RCE), mecanismo legal que permite a renegociação coletiva das dívidas. A ideia é ganhar tempo e proteger receitas estratégicas, mas especialistas alertam que o modelo, embora necessário, é insuficiente se não vier acompanhado de cortes profundos e de uma política de austeridade inédita na história do clube.

O desafio é imenso. O Corinthians carrega não apenas a paixão de milhões de torcedores, mas também um peso simbólico que o transforma em espelho do futebol brasileiro. Sua derrocada financeira e política escancara a dificuldade que muitos clubes têm em se adaptar a uma realidade mais profissional e menos amadora, onde paixão e gestão precisam caminhar juntas. O Timão, que já foi protagonista de conquistas continentais e mundiais, hoje luta para não ser refém das próprias dívidas e das disputas intestinas de poder.

No fim, resta a torcida, como sempre, a força que mantém o clube de pé. A Fiel, que transformou o Corinthians em um fenômeno social, agora se vê diante da dura missão de sustentar emocionalmente um time mergulhado no caos. A sobrevivência institucional do Corinthians dependerá, mais do que nunca, da capacidade de seus dirigentes em recuperar credibilidade, cortar privilégios e colocar a paixão em segundo plano diante da urgência da gestão. Porque, se nada mudar, o risco não é apenas de mais um período de vacas magras, mas de um colapso capaz de marcar para sempre a história do clube.

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