A história real por trás de 'Invocação do Mal 4: O Último Ritual'

Divulgação | CBS

• Por Alisson Santos 

Entre os muitos relatos que moldaram a fama dos investigadores paranormais Ed e Lorraine Warren, poucos foram tão controversos e perturbadores quanto o caso da família Smurl. A história, ocorrida entre as décadas de 1970 e 1980, em West Pittston, na Pensilvânia, continua até hoje a despertar fascínio e ceticismo. Com o lançamento de Invocação do Mal 4: O Último Ritual, que se inspira diretamente nos acontecimentos, o caso retorna ao centro das atenções, reacendendo o debate sobre até onde vai a realidade e onde começa a construção mítica em torno de uma das famílias mais atormentadas da demonologia moderna.

Jack e Janet Smurl eram, à primeira vista, um casal comum, criado dentro dos valores tradicionais norte-americanos. Com suas filhas gêmeas, mudaram-se em 1973 para uma casa que havia sido danificada por uma enchente. O imóvel foi reconstruído com esforço, mas logo a vida tranquila que imaginavam se transformaria em um pesadelo contínuo. Os primeiros sinais pareceram inofensivos; barulhos estranhos, sombras que se moviam, aparelhos eletrônicos que falhavam sem motivo, uma atmosfera pesada que parecia impregnar os cômodos. Aos poucos, esses episódios foram escalando, assumindo contornos cada vez mais assustadores. Objetos começaram a levitar e voar, móveis se arrastavam sozinhos, odores de podridão surgiam repentinamente sem origem aparente.

As manifestações não pararam naquilo que muitos poderiam classificar como “fenômenos poltergeist”. Segundo os Smurl, a entidade — ou entidades — que habitavam a casa se tornaram mais agressivas, mirando diretamente nos membros da família. Janet era atacada durante a noite, arranhada e puxada pelos cabelos, enquanto Jack alegava ter sido violentado sexualmente por uma presença demoníaca em diversas ocasiões. As filhas também relatavam ver figuras deformadas, ouvir vozes que zombavam delas e sentir presenças sufocantes. O ambiente se tornou insuportável. Dormir virou um risco, e a família passou a se revezar em vigílias noturnas para proteger uns aos outros, sem saber até onde aquela perseguição poderia chegar.

A história começou a circular entre vizinhos e conhecidos. Alguns afirmavam ouvir gritos vindos da casa, outros testemunhavam fenômenos estranhos quando estavam próximos ao local. Mas também havia quem acusasse os Smurl de exagero, invenção ou até oportunismo. O caso despertava, ao mesmo tempo, medo e desconfiança, tornando-se um espetáculo que dividia opiniões na comunidade.

Foi em 1986, depois de mais de dez anos de tormento, que a família buscou a ajuda de Ed e Lorraine Warren, já conhecidos por sua atuação em Amityville e em inúmeros casos de supostas possessões e assombrações. Para os Warrens, a investigação revelou algo fora do comum. Lorraine, médium sensitiva, descreveu uma presença demoníaca que assumia a forma de uma massa escura, observadora, que parecia se nutrir do medo e do desespero dos moradores. Segundo o casal, não havia apenas uma alma penada na casa, mas quatro entidades diferentes; três fantasmas humanos e um demônio de natureza antiga, poderoso e maliciosa, responsável pelas agressões mais brutais.

Ed e Lorraine Warren na residência da família Smurl

Os investigadores realizaram orações, bênçãos e rituais de exorcismo, mas relataram que a força sombria reagia com violência e deboche, como se tivesse prazer em desafiar qualquer tentativa de expulsão. Cada intervenção parecia intensificar o assédio contra os Smurl, como se o mal se alimentasse da resistência espiritual que encontrava. A Igreja Católica foi chamada, padres realizaram exorcismos formais, mas, segundo os relatos, nada parecia surtir efeito.

Diante da crescente curiosidade pública, Ed e Lorraine, em parceria com o jornalista Robert Curran, decidiram documentar os eventos no livro The Haunted, lançado em 1986. A obra detalhava os horrores vividos pela família e se tornava rapidamente um sucesso, mas também um alvo de polêmicas. Críticos acusaram os Smurl e os Warrens de explorarem a tragédia para lucrar, enquanto céticos apontavam a ausência de provas físicas e a impossibilidade de verificar boa parte dos relatos. A acusação de fraude se tornava inevitável; seria tudo uma elaborada invenção, ou a ciência simplesmente não estava equipada para lidar com algo tão fora da compreensão humana?

O caso ganhou ainda mais notoriedade em 1991, quando foi adaptado para a televisão no filme The Haunted, produzido pela CBS. O longa reforçava o caráter perturbador da história, mas também cristalizava a divisão entre os que viam na narrativa um testemunho legítimo do sobrenatural e aqueles que a consideravam mera ficção sensacionalista. Pouco depois, os Smurl decidiram se mudar da casa. Estranhamente, após a mudança, os ataques cessaram quase por completo, como se a ligação estivesse realmente associada àquele lugar específico.

Jack e Janet Smurl

A história da família Smurl sobreviveu ao tempo como uma das mais inquietantes da literatura paranormal. Para muitos, ela simboliza a prova de que o mal existe de forma concreta e é capaz de devastar vidas comuns. Para outros, permanece como exemplo da força do mito, da histeria coletiva e da necessidade humana de dar forma ao medo. No cinema, ao ser resgatada pela franquia Invocação do Mal, a trama adquire uma nova camada de significado; torna-se não apenas um registro de assombração, mas também um estudo sobre como as histórias de terror se perpetuam, atravessando décadas e ganhando novas versões, sempre capazes de tocar nas feridas mais universais da experiência humana — o medo do invisível, daquilo que não pode ser explicado nem controlado.

Mais de quarenta anos após os acontecimentos originais, o caso Smurl continua a dividir crentes e céticos. Se foi realidade ou fantasia, talvez jamais se saiba. Mas o fato é que, entre documentos, depoimentos e adaptações, a história permanece viva, desafiando a fronteira entre fé e dúvida, razão e superstição, vida e morte. No fim das contas, é justamente nessa intersecção nebulosa que o terror encontra seu terreno mais fértil, e onde os Smurl, para sempre, ficarão marcados como a família que enfrentou um inimigo invisível e implacável dentro de sua própria casa.

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