Divulgação | HBO Max |
• Por Alisson Santos
O sexto episódio da segunda temporada de Pacificador, intitulado "Ignorância é Chris", marca um divisor de águas dentro do arco narrativo que James Gunn vem conduzindo desde o início. Depois de episódios que caminharam num ritmo lento, este capítulo finalmente despeja na tela uma sucessão de revelações, choques visuais e dilemas emocionais que reposicionam a temporada e preparam o terreno para a reta final. O resultado é um episódio tenso, ousado e, sobretudo, desconfortável, capaz de transformar a piada em horror político num piscar de olhos.
A grande revelação do episódio – o "mundo perfeito" de Chris Smith ser, na verdade, uma realidade alternativa dominada por nazistas – é um golpe certeiro na identidade do personagem. Pacificador sempre foi construído como um homem que confunde patriotismo com fanatismo, e aqui James Gunn radicaliza essa ideia ao mostrar que o universo que Chris considera perfeito é justamente aquele onde símbolos americanos estão fundidos à ideologia nazista. A bandeira norte-americana redesenhada com a suástica é o tipo de detalhe grotesco que expõe tanto a ironia quanto a tragédia; o herói que sonha com pureza e redenção acaba projetando seu ideal num pesadelo totalitário.
A crítica social desse ponto é direta e incômoda. Enquanto Chris demora a perceber o problema, Harcourt nota imediatamente a ausência de diversidade. A cena em que Leota Adebayo é perseguida pela vizinhança lembra um cruzamento entre Invasores de Corpos (1978) e uma distopia racial, expondo como o cotidiano aparentemente normal pode esconder a engrenagem do ódio. O irmão alternativo de Chris, Keith, até então um sujeito afável, se revela um monstro quando denuncia Leota com um grito racista. Essa virada transforma o ambiente em uma prisão sufocante, invertendo o tom de comédia excêntrica em paranoia pura.
Outro destaque do episódio é a participação especial de Nicholas Hoult como Lex Luthor. Se no longa "Superman" ele havia interpretado a versão mais jovem e cínica do vilão, aqui surge com uma aura mais sombria e desencantada. O diálogo entre Lex e Rick Flag Sr. (Frank Grillo) é carregado de ambiguidade moral; não há vilões absolutos, apenas homens que acreditam manipular o destino para evitar um mal maior. Rick Sr. não é pintado como antagonista, mas como alguém disposto a sacrificar tudo em nome de um objetivo nebuloso – talvez até o reencontro com o filho em outra dimensão. É uma escolha narrativa que expande a mitologia e coloca em xeque o conceito de heroísmo.
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Enquanto isso, os demais integrantes vivem dilemas paralelos. Economos paga caro pela ingenuidade, enfrentando o velho Auggie numa cena brutal que mistura violência física e humilhação psicológica. Adrian retorna ao traje de Vigilante, apenas para descobrir que sua contraparte alternativa odeia o Pacificador e se filiou a um grupo de resistência contra o regime nazista. Esse detalhe é especialmente cruel; ao matar integrantes dos Filhos da Liberdade no terceiro episódio, Chris não eliminou vilões, mas sim parte de um grupo revolucionário. Mais uma vez, Gunn mostra como as convicções de Pacificador podem se chocar com a verdade, fazendo dele não apenas vítima das circunstâncias, mas também cúmplice de tragédias.
No centro de tudo, a relação entre Chris e Harcourt ganha contornos de confissão melancólica. O diálogo entre eles, com Chris finalmente admitindo seu amor e Harcourt respondendo de maneira fria, mas sincera, é uma das passagens mais delicadas da temporada. John Cena e Jennifer Holland entregam aqui uma química madura, feita de silêncios e olhares, que contrasta com o absurdo do cenário ao redor. É nesse tipo de momento que a série prova ser mais do que sátira; trata-se de uma narrativa sobre vulnerabilidade, rejeição e a busca desesperada por pertencimento.
"Ignorância é Chris" funciona como um ponto de virada porque concentra em poucos minutos a densidade que faltava aos episódios anteriores. O humor ainda está presente, especialmente nas interações bizarras entre versões alternativas de personagens, mas a atmosfera se torna progressivamente opressora, preparando o público para uma explosão de consequências. A direção de Gunn não tem pudor em cruzar limites – do grotesco ao romântico, do ridículo ao trágico – e isso reforça a identidade única da série dentro do atual universo da DC.
O sexto episódio já está disponível na HBO Max.
Avaliação - 9/10
Muito, muito bom.
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