Crítica | Make a Girl - Um debut ousado, belo e imperfeito, feito com o coração exposto e os circuitos à mostra.

Divulgação | Sato Company

• Por Alisson Santos 

Há algo de profundamente melancólico em Make a Girl, o primeiro longa-metragem do animador independente japonês Gensho Yasuda — uma obra que, sob a superfície de um espetáculo tecnológico impressionante, esconde uma das mais íntimas e dolorosas perguntas do nosso tempo; até que ponto o amor pode ser programado? Realizado quase inteiramente por uma só pessoa, Yasuda transforma o Blender — ferramenta gratuita de animação 3D — em uma extensão de sua própria sensibilidade, construindo um universo onde o brilho das telas e o calor do afeto humano se confundem.

A trama acompanha Akira, um jovem cientista ainda assombrado pela memória da mãe falecida e obcecado pela ideia de continuar seu legado na pesquisa sobre inteligência artificial. Seu colega, Kunihito, exala vitalidade após se apaixonar — um estado que Akira interpreta como uma equação possível de replicar em laboratório. A partir dessa leitura literal, ele cria Número 0, uma androide feita para amar, mas sem saber o que isso significa.

Yasuda conduz essa narrativa como um espelho fragmentado entre o amor romântico e o amor narcísico. O cientista que “faz” uma menina busca, no fundo, reconstruir a ausência materna que o define. O filme, então, passa a funcionar como uma parábola sombria sobre a criação — tanto biológica quanto tecnológica. Número 0 é filha, musa e prisioneira de um afeto que nasce deformado.

Visualmente, Make a Girl é um dos filmes mais fascinantes e inquietos da animação contemporânea. A fluidez dos movimentos, o brilho difuso das luzes e o detalhismo das texturas criam um espaço quase tátil, onde a tridimensionalidade serve não à ostentação técnica, mas à imersão psicológica. Há algo hipnótico na forma como Yasuda filma o reflexo de uma lâmpada sobre o rosto de Número 0, como se a própria luz tentasse descobrir o que significa existir.

Divulgação | Sato Company

A trilha sonora minimalista, composta por sintetizadores frios e compassos irregulares, reforça o caráter existencial da narrativa. A ausência de cor emocional nas paisagens virtuais contrasta com a progressiva humanização da androide — e é justamente nesse contraste que o filme encontra sua poesia; quanto mais o mundo parece real, menos humanos parecem seus habitantes.

Mas se Make a Girl deslumbra visualmente, seus dilemas éticos e filosóficos permanecem inacabados. Yasuda insinua uma crítica à masculinidade científica — ao homem que busca dominar o amor através da engenharia —, mas não a leva à exaustão. O conflito entre Akira e Número 0, que poderia alcançar uma dimensão trágica à la Frankenstein, termina de forma abrupta, substituído por uma virada narrativa que envolve vilões genéricos e conspirações tecnológicas.

Esse desvio para o thriller diminui o impacto do que poderia ser um retrato devastador da solidão humana no século XXI. Número 0, que começa como uma entidade em busca de identidade, termina como símbolo decorativo de um clímax mais funcional do que emocional. Ainda assim, há momentos de verdadeiro espanto — como a sequência em que ela observa seu próprio reflexo e, pela primeira vez, sente raiva. É ali que Yasuda toca a fronteira tênue entre o código e o instinto.

Mesmo com suas imperfeições narrativas, Make a Girl é uma obra profundamente pessoal. Yasuda, que escreveu, dirigiu, animou e financiou o filme quase sozinho, parece projetar em Akira sua própria jornada artística; o criador isolado, cercado por algoritmos, tentando dar forma a algo vivo. O que se impõe, ao fim, é a sensação de que o filme não é apenas sobre um jovem que cria uma androide, mas sobre um artista que cria uma obra — e percebe, tarde demais, que ela o ultrapassou.

Make a Girl estreia em 13 de novembro com distribuição da Sato Company.

Avaliação - 6/10

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