(MOSTRA SP) Crítica | A Incrível Eleanor - Quando o cinema tenta dizer tudo e esquece o poder do silêncio.

Divulgação | Sony Pictures

• Por Alisson Santos 

Há filmes que nos conquistam não pelo que mostram, mas pelo que deixam no ar — A Incrível Eleanor quase pertence a essa categoria. Quase. A estreia de Scarlett Johansson na direção tem o coração no lugar certo, mas sofre de um mal cada vez mais comum no cinema contemporâneo; a ânsia de explicar demais, de transformar cada gesto, cada pausa e cada perda em um discurso sobre o significado da vida. O resultado é uma obra delicada, com momentos de grande sensibilidade, mas que às vezes parece duvidar da inteligência emocional do próprio público.

Aos 94 anos, Eleanor (June Squibb, em uma das melhores atuações de sua carreira tardia) é uma mulher que perdeu tudo; a melhor amiga, a vizinhança, o senso de pertencimento. A mudança para Manhattan, para viver com a filha (Jessica Hecht), não é um recomeço, mas uma espécie de purgatório cotidiano — um limbo onde o passado pesa mais do que o presente pode suportar. Johansson filma esse deslocamento com uma doçura melancólica, quase europeia, preferindo a luz fria dos apartamentos ao caos da cidade. E, nos primeiros trinta minutos, o filme é uma pequena joia sobre solidão e memória.

Mas A Incrível Eleanor não se contenta com a simplicidade da dor. Quando a protagonista entra acidentalmente em um grupo de apoio a sobreviventes do Holocausto e decide fingir ser uma delas, a narrativa ganha um tom mais alegórico — e também mais artificial. A mentira que sustenta o enredo é interessante como metáfora; Eleanor não quer enganar, quer pertencer. Ela inventa uma dor porque sente que a sua própria dor não é reconhecida. É um gesto humano, desesperado, bonito em sua contradição.

O problema é que Johansson e a roteirista Tory Kamen parecem não confiar nesse subtexto. O filme insiste em sublinhar o tema do luto a cada diálogo, como se temesse que o público não entendesse. As conversas entre Eleanor e Nina (Erin Kellyman), a jovem estudante que se torna sua amiga, soam por vezes como páginas de autoajuda recitadas com emoção genuína. São belas frases — sobre o tempo, a perda, o amor — mas a beleza das palavras compete com a verdade das imagens. Em vez de deixar que os silêncios falem, o roteiro prefere preencher tudo com explicações.

E é uma pena, porque há momentos de uma pureza desarmante. Quando Eleanor e Nina caminham juntas por uma rua vazia, compartilhando um riso sem motivo, Johansson encontra o que há de mais cinematográfico no luto; o instante em que viver volta a ser possível, mesmo sem sentido. É ali, sem falas, que o filme atinge algo profundo — algo que os monólogos seguintes acabam diluindo.

Divulgação | Sony Pictures

A relação entre as duas mulheres é o núcleo emocional da história, e Squibb e Kellyman constroem uma química improvável, mas tocante. Ambas são criaturas perdidas tentando reconstruir o mundo através da amizade, e o filme é mais forte quando se concentra nesse eixo intergeracional. Contudo, a entrada do personagem de Chiwetel Ejiofor, o pai de Nina, desloca a narrativa. O roteiro passa a girar em torno dele, e o olhar que antes era feminino e íntimo se torna genérico, buscando um clímax emocional que parece vir de outro filme.

Ainda assim, há algo de admirável na estreia de Johansson. Sua direção é sensível, paciente, e raramente cede ao sentimentalismo barato — mesmo quando a trilha sonora pede. Ela entende o poder dos rostos envelhecidos, o valor das mãos trêmulas, o silêncio entre duas pessoas que se entendem sem palavras. O problema não está em como ela filma, mas no quanto o roteiro tenta nos convencer. A Incrível Eleanor quer nos ensinar sobre o luto, a culpa e a reinvenção, quando talvez bastasse apenas nos fazer sentir.

O cinema, afinal, é mais poderoso quando não precisa esfregar suas intenções na cara do espectador. Quando confia que um olhar basta, que uma pausa contém mais verdade do que qualquer discurso. Johansson mostra lampejos desse entendimento, mas ainda não se libertou do impulso de dizer tudo — e, paradoxalmente, é nesse excesso de palavras que o filme perde parte da grandeza que o título promete.

O filme será exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com sessões marcadas para os dias 24, 25 e 28 de outubro.

Avaliação - 6/10

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