(MOSTRA SP) Crítica | Mirrors No. 3 - A ausência de catarse é o próprio sentido da obra.

Divulgação | Imovision

• Por Alisson Santos 

Há cineastas que se repetem e se esvaziam; e há Petzold, que se repete como quem tenta ouvir um eco diferente no mesmo vale. Mirrors No. 3 é, de certa forma, um prolongamento de tudo o que o diretor alemão já havia dito — e ainda assim soa como algo novo, como se as mesmas imagens estivessem sendo sonhadas de outro modo. O vermelho ainda pulsa como um aviso, a água ainda espelha o invisível, e Paula Beer ainda carrega em si uma mulher que não pertence inteiramente ao mundo dos vivos. Mas desta vez, o abismo não vem do amor ou da culpa; vem do espanto silencioso de continuar existindo.

Laura, a estudante de piano interpretada por Beer, sobrevive a um acidente de carro e, com ele, a um amor que já parecia morto. O que Petzold filma não é o trauma, mas o que vem depois dele — aquele intervalo rarefeito entre o luto e a reconstrução, onde cada gesto parece deslocado, cada som reverbera como se o tempo tivesse se partido em dois. A câmera de Hans Fromm, cúmplice habitual do diretor, capta o corpo de Laura como uma ferida aberta no cenário natural, onde a vida insiste em seguir; o verde das árvores, o azul do céu e o vermelho do carro destroçado formam uma paleta que nunca parece simbólica demais, mas inevitável.

Ao acolher Laura, Betty (interpretada com notável contenção por Barbara Auer) torna-se algo entre mãe, amiga e guardiã. A relação das duas, quase sem palavras, é o verdadeiro coração do filme. Petzold, que tantas vezes filmou o desejo como uma força destrutiva, aqui encontra um tipo de ternura que se aproxima do sagrado — não pelo que se consome, mas pelo que se oferece. Há amor, mas um amor que não precisa de nome. Há dependência, mas sem poder. É nesse terreno de trocas silenciosas que Mirrors No. 3 se distingue de "Undine" e "Roter Himmel"; pela primeira vez, o perigo não vem do outro, mas da ausência de qualquer perigo real.

O filme se move com a fluidez de um sonho, sem picos dramáticos nem rupturas evidentes. A previsibilidade — tantas vezes um pecado em outros autores — torna-se aqui um gesto de humildade estética. Petzold parece consciente de que não há mais nada a revelar, apenas algo a manter à tona, como o barquinho imaginado no título, que atravessa mares turbulentos sem jamais chegar a lugar algum. 

Divulgação | Imovision

Paula Beer, mais madura e opaca do que em suas colaborações anteriores, encarna Laura com uma fragilidade quase mineral — uma mulher que parece ter esquecido como chorar. Se antes ela era o fogo ou a água, aqui é a superfície do espelho; translúcida, mas impenetrável. Laura é um corpo que sobreviveu ao próprio papel, uma lembrança que continua vivendo no corpo de alguém.

Mirrors No. 3 pode parecer, à primeira vista, um "Petzold contido", inclusive, essa foi minha primeira interpretação após sair da sessão. Mas é justamente nesse recuo, nesse abandono do clímax, que o filme encontra uma nova forma de inquietação. A ausência de catarse é o próprio sentido da obra. Quando Laura se recusa a "ter o colapso" que todos esperam dela, Petzold está, na verdade, recusando o espetáculo da dor — algo raro em tempos de narrativa inflamada.

Ao fim, resta a sensação de um filme que prefere permanecer em suspensão, como um acorde que não se resolve. Petzold filma a sobrevida, não o renascimento; a quietude, não a redenção. Mirrors No. 3 é um cinema de ressonâncias — não busca ser visto, mas escutado. E quando termina, deixa a impressão de que continuamos dentro dele, como quem se olha no espelho e percebe, por um instante, que o reflexo está respirando sozinho.

O filme será exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com sessões marcadas para os dias 18, 19, 25 e 30 de outubro.

Avaliação - 8/10

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