Crítica | Oeste Outra Vez - O resultado é um faroeste sem redenção, em que o sol do sertão não ilumina heróis, mas expõe cicatrizes.
Divulgação | O2 Play Filmes |
• Por Alisson Santos
O faroeste, gênero que moldou uma das colunas do cinema clássico, sempre foi um território de códigos rígidos; o herói viril, o duelo ao sol, a honra imposta pela força. Em Oeste Outra Vez, Erico Rassi não apenas revisita esse universo, mas o transfigura ao transplantá-lo para o sertão goiano e mergulhá-lo na lama dos afetos mal resolvidos e da masculinidade em frangalhos.
À primeira vista, o filme parece se apoiar em arquétipos familiares; dois homens, Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), marcados por um passado de abandono e ressentimento, que se reencontram diante da memória de uma mulher, Luísa (Tuan Araújo). O enredo sugere a promessa de um duelo clássico, mas Rassi prefere desmontar cada expectativa, construindo um faroeste de ruínas e silêncios, mais próximo da introspecção amarga do que da catarse do tiroteio.
A simbologia que atravessa Oeste Outra Vez é essencial para compreender sua potência. O sertão, filmado em planos abertos contemplativos, deixa de ser palco de conquista para se tornar cenário de isolamento e desolação, um deserto emocional que reflete a incapacidade dos personagens de lidar com suas dores. O duelo, antes ritual de afirmação heroica, aqui se reduz a um gesto de orgulho ferido, sem grandeza, apenas vazio.
Nesse sentido, a obra desmonta a mitologia do cowboy invencível para revelar a fragilidade masculina; homens que, incapazes de elaborar a perda, transformam a ausência em ressentimento e a rejeição em desejo de violência. Os diálogos curtos e os chavões repetidos funcionam como rituais ocos, índices do esvaziamento da linguagem emocional. A masculinidade aparece não como força, mas como prisão, um código de honra corroído que mantém os personagens cativos de si mesmos.
Divulgação | O2 Play Filmes |
O filme também encontra na ironia um ponto de respiro. Os pistoleiros Jerominho e Ermitão, figuras decadentes que erram mais do que acertam, funcionam como caricaturas de um passado glorioso que nunca mais se repetirá. O humor surge como comentário sobre a própria falência do mito do pistoleiro, reforçando a ideia de que o heroísmo do faroeste não resiste quando transposto para o sertão contemporâneo.
Outro aspecto simbólico decisivo é a música. Canções de Nelson Ned e outros clássicos da sofrência transformam bebedeiras em espaços de confissão amarga, expondo o quanto o álcool e a nostalgia são os últimos refúgios desses homens em ruína. Não há trilha que exalte o duelo, mas melodias que traduzem melancolia e repetição — ecos de uma masculinidade incapaz de se reinventar.
Assim, Oeste Outra Vez não é apenas uma variação brasileira do gênero, mas uma crítica a ele. O filme mostra que, quando transportado para o Brasil profundo, o faroeste revela não a epopeia do herói, mas a farsa de um mito em decomposição. É um filme sobre o peso do orgulho, sobre a impossibilidade de reconciliação e sobre a solidão masculina diante da própria vulnerabilidade.
O resultado é um faroeste sem redenção, em que o sol do sertão não ilumina heróis, mas expõe cicatrizes. Um longa que transforma o mito do Oeste em luto — e que, justamente por isso, se torna um dos trabalhos mais simbólicos e necessários do cinema brasileiro recente.
O longa está disponível no Telecine.
Avaliação - 9/10
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