Crítica | Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda - Louco, divertido, doce e surpreendente, 'Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda' prova que, às vezes, revisitar o passado pode ser tão transformador quanto a primeira vez em que tudo saiu do lugar.
Divulgação | Disney |
• Por Alisson Santos
No panorama saturado de Hollywood, onde continuações e reboots se tornaram um expediente quase automático para lucrar com a nostalgia coletiva, é raro encontrar uma sequência que pareça não apenas justificável, mas necessária. Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda surpreende justamente por isso. Longe de ser apenas um exercício cínico de reviver personagens queridos, o filme se sustenta com uma energia criativa própria e um coração que pulsa com sinceridade, mesmo duas décadas depois da troca de corpos original entre mãe e filha que marcou uma geração.
O novo capítulo da história retoma a vida de Tess (Jamie Lee Curtis) e Anna (Lindsay Lohan), agora vinte e dois anos mais velhas, e as insere em um cenário familiar, mas renovado; outra troca de corpos, mas desta vez envolvendo quatro personagens, em meio aos preparativos do segundo casamento de Anna. Se isso soa como uma fórmula desgastada, o roteiro de Elyse Hollander e Jordan Weiss trata de desmontar essa expectativa logo nos primeiros minutos. Embora o filme brinque com os mesmos elementos do longa de 2003, ele os reinventa com inteligência, fugindo da simples repetição e encontrando, no meio do caos cômico, espaço para comentários sobre gerações, maternidade, identidade e, claro, as dores e alegrias de crescer.
O retorno de Lindsay Lohan é um dos pontos altos do filme. Após anos afastada de grandes papéis, a atriz reencontra sua persona cômica e emocional com brilho. Sua Anna é agora uma mulher que carrega as cicatrizes e os aprendizados da juventude, mas que ainda guarda a vulnerabilidade e o espírito rebelde da adolescente que conhecemos. Lohan se entrega completamente à personagem, com nuances que vão da comédia física ao drama familiar mais sensível — e é impossível não sorrir ao vê-la de volta, plena e afiada. Jamie Lee Curtis, por sua vez, continua demonstrando uma entrega impecável ao humor, mas é em seus momentos de doçura e frustração que sua personagem ganha novas camadas, refletindo a trajetória de uma avó que tenta ser útil sem ultrapassar os limites.
A adição de novas personagens poderia ser o calcanhar de Aquiles do filme, mas se transforma em um de seus trunfos. Julia Butters, como Harper — filha de Anna —, e Sophia Hammons, como Lily — futura enteada —, têm atuações carismáticas e entregam cenas hilárias ao interpretarem versões trocadas de suas “versões adultas”. Há frescor nas atuações, e o filme acerta ao colocá-las como parte fundamental da dinâmica, sem apagar o brilho das protagonistas originais. Harper e Anna, em particular, compartilham momentos de genuína conexão, sustentados pela química natural entre Butters e Lohan.
Outro destaque é Manny Jacinto, como Eric, o noivo britânico de Anna. Sua presença, além de carismática, desafia estereótipos ao colocar um homem asiático como protagonista romântico em uma comédia mainstream. Ele transita com leveza entre o pastelão e o afeto, protagonizando momentos de dança, romance e surpresa com naturalidade. A sua interação com as demais personagens — especialmente com a filha Lily — oferece uma ternura discreta, mas eficaz, que equilibra o ritmo alucinado do filme.
Divulgação | Disney+ |
O humor, embora frenético no início, encontra equilíbrio à medida que a história avança. O roteiro aposta em piadas metalinguísticas, referências aos anos 2000 e observações sagazes sobre a Geração Z. Nem todas as tentativas funcionam — há momentos em que o filme escorrega para o exagero ou força uma modernidade um tanto caricata —, mas a maior parte do tempo ele consegue rir de si mesmo sem cair no desdém. Os melhores momentos de comédia surgem, justamente, da colisão entre os universos das quatro personagens trocadas; os choques de linguagem, valores e gestos cotidianos ganham novo fôlego em performances corporais bem coreografadas e olhares que dizem mais do que as falas.
A direção acerta ao não se apoiar apenas no fan service, embora haja boas doses dele. A aparição de personagens clássicos como Jake (Chad Michael Murray), Ryan (Mark Harmon), Maddie (Christina Vidal Mitchell) e o impagável Sr. Bates (Stephen Tobolowsky) serve mais como reforço cômico do que como bengala emocional. Eles aparecem para brincar com o passado, não para engessar o presente — e isso faz toda a diferença. Uma das cenas mais engraçadas do filme, por exemplo, envolve Lily (no corpo de Tess) participando de uma competição de pickleball com Ryan, que desconhece completamente o que está acontecendo.
No meio de tantas trocas, o que permanece é o afeto. O filme sabe que, por mais engraçadas que sejam as confusões físicas, é nos laços entre mães, filhas e famílias improvisadas que reside seu valor mais duradouro. A tensão entre Tess e Anna, marcada por tentativas excessivas de interferência na criação da neta, poderia ter sido mais explorada, é verdade. A trama opta por focar no elo entre Anna e Harper, o que enfraquece ligeiramente a premissa original, mas compensa com momentos de emoção genuína e diálogos que soam autênticos.
Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda é, antes de tudo, uma celebração de tudo o que Sexta-Feira Muito Louca representou para quem cresceu nos anos 2000. É nostálgico sem ser piegas, engraçado sem ser bobo, e atual sem parecer desesperado por relevância. Funciona como ponte entre gerações, e, mais do que isso, como um exemplo de que sequências podem, sim, ter alma. A presença luminosa de Lindsay Lohan é a cereja do bolo — um lembrete de seu talento cômico e dramático, e um presente para quem a viu brilhar antes e torceu para vê-la brilhar de novo.
O filme estreia amanhã nos cinemas.
Avaliação - 8/10
Comentários
Postar um comentário