| Divulgação | Sony Pictures |
• Por Alisson Santos
A decisão do Ministério da Justiça de classificar Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba – Castelo Infinito como impróprio para menores de 18 anos provocou uma onda de discussões que rapidamente se espalhou pelas redes sociais, fóruns de fãs e veículos especializados. O impacto não está apenas na severidade da restrição, mas sobretudo na sensação de incoerência. Para muitos, a régua aplicada ao novo filme parece não apenas mais rígida do que o habitual, mas também seletiva, destoando tanto do histórico da própria franquia quanto de outros títulos que apresentam níveis semelhantes de violência.
Desde o início, Demon Slayer jamais foi uma obra “suave”. A narrativa sempre expôs cabeças decepadas, demônios devorando humanos, litros de sangue em cena e dilemas morais ambientados em plena era Taisho. O longa Mugen Train (2020), exibido em cinemas do mundo todo, recebeu no Brasil a classificação de 14 anos, ainda que apresentasse batalhas brutais e mortes que marcaram os espectadores. O anime, por sua vez, sempre oscilou entre 14 e 16 anos. A dúvida que paira, portanto, é inevitável; o que mudou para que agora o clímax da história fosse considerado inadequado até mesmo para adolescentes de 17 anos?
De acordo com o despacho do Ministério, a classificação de 18 anos foi determinada devido à presença de “violência extrema”, “mutilação”, “suicídio”, “tortura” e “banalização da violência”. O documento aponta que a frequência e a centralidade dessas cenas — muitas delas envolvendo personagens jovens — pesaram na decisão. No entanto, quando comparado a produções ocidentais, o contraste salta aos olhos. Filmes como Morte, Morte, Morte (A24), marcado por assassinatos e mutilações, foram classificados como 16 anos. O mesmo aconteceu com Pânico (2022), franquia consagrada pelo sangue e pelos sustos. Até produções de terror mais explícitas frequentemente permanecem na faixa etária dos 16 anos.
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O descompasso fica ainda mais evidente quando se observam outros animes. Fullmetal Alchemist: Brotherhood, por exemplo, é famoso por sua carga dramática devastadora, recheada de guerras, mutilações, genocídios e traumas psicológicos. Na Netflix, a obra aparece com classificação de apenas 12 anos — algo que até mesmo os fãs consideram subestimado diante de sua intensidade. Essa comparação escancara a disparidade de critérios; se uma série repleta de horrores emocionais e físicos é vista como adequada para pré-adolescentes, por que Demon Slayer é interditado até para jovens prestes a completar a maioridade?
A indignação ultrapassou o ambiente digital. No site Reclame Aqui, consumidores contestaram formalmente a decisão, apontando a divergência em relação às classificações internacionais. No Japão, o filme estreou sem restrição etária; nos Estados Unidos, recebeu a indicação R, que libera a entrada para jovens de 17 anos. O Brasil, assim, tornou-se um dos países mais rígidos do mundo na avaliação do título. Em fóruns como Reddit, pais e adolescentes relataram frustração, muitos surpresos por não poderem assistir juntos ao desfecho de uma história que acompanham há anos.
Esse debate vai além das cenas de violência ou das decapitações. Ele expõe um problema estrutural; a falta de uniformidade na aplicação dos critérios de classificação indicativa no Brasil. Para muitos, pesa ainda o estigma em torno dos animes. Por serem animações, parece haver uma tendência de aplicar julgamentos mais severos, como se a combinação de violência gráfica e estética colorida fosse mais nociva do que conteúdos igualmente violentos em filmes live-action. O paradoxo é que adolescentes já têm acesso irrestrito a videogames sangrentos, produções violentas em streaming e conteúdos explícitos em redes sociais, onde não existe controle efetivo.
É verdade que a classificação de 18 anos para Castelo Infinito pode encontrar respaldo técnico nos relatórios oficiais que destacam a intensidade da violência. Mas, diante de comparações concretas com obras que receberam avaliações mais brandas, a decisão perde consistência e credibilidade. Ao afastar justamente o público que cresceu acompanhando Tanjiro, Nezuko e os Hashiras, o Ministério parece menos preocupado em proteger e mais em impor uma barreira artificial. O resultado, no fim das contas, é um bloqueio que mais prejudica do que protege.
Texto excelente.
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