Crítica | Alien: Earth - Entre o mito e a distopia, 'Alien: Earth' transforma a infância eterna em metáfora da arrogância humana.
Divulgação | Disney+ |
• Por Alisson Santos
Desde 1979, Alien sempre foi mais do que um exercício de horror espacial. Era também um retrato das angústias do seu tempo; o medo do corpo feminino invadido, a impotência diante das corporações, a fragilidade da humanidade perante o desconhecido. Agora, com Alien: Earth, a franquia pisa em solo humano e, nesse deslocamento, abre-se para uma leitura simbólica que flerta com mitologias infantis – sobretudo com Peter Pan.
Se Ridley Scott nos deu corredores metálicos que eram tanto úteros quanto túmulos, Noah Hawley nos oferece uma Terra já corroída pelas corporações, em que a promessa de salvação não vem da ciência, mas da ilusão de transcendência tecnológica. Nesse cenário surge Wendy – híbrida humanossintética – que carrega não por acaso o nome da menina que, na obra de J. M. Barrie, foi condenada a ser “mãe” de meninos que se recusavam a crescer. A escolha é deliberada; Wendy em Alien: Earth é uma criança projetada em corpo adulto, aprisionada entre a inocência que perdeu e a maturidade que não domina. Como Peter Pan, ela vive a tragédia do crescimento impossível, mas aqui a fantasia é corroída pela distopia biotecnológica.
A série sugere, assim, que a humanidade inteira se tornou uma espécie de Peter Pan coletivo; recusamo-nos a aceitar a finitude, inventando híbridos, ciborgues e inteligências artificiais como extensões de um sonho infantil de imortalidade. Só que, ao contrário do idílico Terra do Nunca, o que se ergue é uma Terra estilhaçada, onde a recusa em amadurecer significa também a recusa em lidar com limites éticos, ambientais e sociais. O xenomorfo – criatura sempre lida como metáfora daquilo que não conseguimos dominar – torna-se quase um espelho, devolvendo-nos a imagem grotesca da nossa própria arrogância.
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Esteticamente, Noah Hawley mantém o DNA claustrofóbico da franquia. Mesmo ao expandir os cenários para metrópoles corporativas e espaços abertos, a câmera insiste em confinar, em esmagar os personagens contra a arquitetura, reforçando que não há saída possível; nem no espaço sideral, nem na Terra. A montagem entre múltiplos núcleos, ora em sintonia, ora em contraste, cria uma cadência que lembra a estrutura de Peter Pan – aventuras paralelas, travessias perigosas, crianças (ou adultos infantilizados) diante de forças que não compreendem. Mas se Barrie dava à fantasia o tom da liberdade, Hawley a converte em pesadelo de aprisionamento.
Um dos pontos altos é a atualização da crítica social; elites que continuam dançando enquanto o monstro devora o mundo, trabalhadores descartáveis, líderes mais interessados em negociar a propriedade da ameaça do que em combatê-la. Aqui, como no filme original, o verdadeiro inimigo não é o alienígena, mas a lógica corporativa que transforma até a morte em ativo.
Em Alien: Earth, a simbologia de Peter Pan funciona como uma lente perturbadora. Não é apenas a história de seres que se recusam a crescer, mas de uma civilização que transforma sua recusa em projeto político e tecnológico. Se Wendy perde sua infância ao ganhar um corpo adulto, também nós perdemos nossa humanidade ao vestir de progresso uma fantasia regressiva. O xenomorfo apenas ocupa o espaço do inevitável; a lembrança de que não há infância eterna, não há imortalidade sem custo, não há Terra do Nunca fora da ilusão.
Assim, Alien: Earth não é só um retorno à tensão sufocante que inaugurou a saga, mas um gesto ousado; colocar diante de nós o espelho de Peter Pan e perguntar – até quando podemos brincar de não crescer antes que o monstro venha cobrar sua dívida?
Os dois primeiros episódios já estão disponíveis no Disney+.
Avaliação - 9/10
Os dois primeiros episódios são ótimos.
ResponderExcluirAnálise extraordinária.
ResponderExcluirSe continuar desse jeito, Alien Earth vai ser a melhor coisa já feita na franquia desde Aliens: O Resgate. Noah Hawley está conseguindo trazer toda sua identidade pra série e criar algo novo e original, não apenas mais uma "adição" ao universo. Gênio!
ResponderExcluirAmei!!!
ResponderExcluirAté agora, minha visão é extremamente positiva da série.
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