Crítica | Gen V (2° Temporada) - É vibrante, grotesca e visualmente explosiva, mas também a mais previsível e corporativa que a franquia já produziu.

Divulgação | Prime Video

• Por Alisson Santos

A segunda temporada de Gen V chega ao fim com um paradoxo desconfortável; o spin-off que nasceu para zombar do império dos super-heróis agora começa a se curvar aos mesmos deuses que antes ridicularizava. Se a primeira temporada foi um lampejo de irreverência e caos juvenil — um retrato ácido de um mundo onde poder e trauma se misturam em cada célula —, a segunda parece querer se graduar no mesmo sistema que jurou destruir.

Quando The Boys surgiu em 2019, sua proposta era clara; demolir o mito moderno do herói e expor o espetáculo corporativo e moralmente falido que o cercava. Com Gen V, a promessa era levar essa anarquia à universidade — uma sátira estudantil de instituições, fama e poder. E por boa parte do tempo, a segunda temporada até consegue sustentar esse espírito. O novo vilão, Thomas Godolkin (Ethan Slater), e seu avatar Cipher (Hamish Linklater, excelente), oferecem uma camada de manipulação quase freudiana à narrativa. Há diálogos e decisões que soam como reflexões sobre controle, liberdade e culpa — ingredientes que poderiam ter levado a série a um desfecho psicológico e catártico.

Mas, como um aluno promissor que decide colar na prova final, Gen V prefere o caminho fácil. O episódio derradeiro é uma avalanche de efeitos, explosões e ganchos calculados, projetados para conectar a série ao universo de The Boys e, assim, alimentar a engrenagem da franquia. O problema não é apenas o fan service; é o fato de que tudo aquilo que antes era paródia agora se transforma em estrutura. O sarcasmo se torna sistema. 

A batalha final, ambientada nas entranhas da Universidade de Godolkin, resume esse colapso; o confronto entre Marie (Jaz Sinclair) e Godolkin deveria carregar peso moral, mas se perde em coreografias previsíveis, piadas escatológicas e um clímax resolvido com um estouro de cabeça digno de uma piada que The Boys teria usado para zombar de Vingadores: Ultimato. A direção investe na pirotecnia e esquece a densidade emocional que havia sido construída com paciência durante a temporada.

Até Sábia (Susan Heyward), uma das personagens mais interessantes da série, termina reduzida a uma coadjuvante de conveniência. Sua inteligência, que prometia uma reviravolta estratégica e política, é subutilizada em favor de um final que se contenta em alinhar as peças para o crossover com Luz Estrela e Trem-Bala. A cena pós-batalha — com os jovens heróis sendo recrutados para a “resistência” de The Boys — tem tudo o que a série costumava desprezar; um enquadramento heroico, uma fala clichê e um brilho de empolgação artificial.

Divulgação | Prime Video

Essa ironia é o coração da decepção. Gen V nasceu como sátira, mas termina como simulação. Ao tentar expandir o “Boysverso”, Eric Kripke e sua equipe parecem presos à mesma lógica industrial que a série tanto criticava. O discurso sobre liberdade criativa cede espaço para o cálculo de audiência e o medo do cancelamento. Há uma melancolia quase em metalinguagem ver personagens que foram concebidos como monstros e vítimas do marketing se tornarem produtos do mesmo sistema.

E, ainda assim, há lampejos de genialidade escondidos sob o verniz do espetáculo. A ideia de que Godolkin, o homem que fundou a universidade, é também o seu fantasma controlador, funciona como uma metáfora precisa da própria franquia; uma instituição que tenta se reinventar, mas não consegue se libertar de seu criador. Marie, com seu poder de manipular sangue, continua sendo uma protagonista fascinante — uma anti-heroína que literalmente carrega a culpa e a vida dos outros nas veias. Sua jornada ainda pulsa, mesmo quando o roteiro insiste em afogá-la.

O que falta à segunda temporada de Gen V não é coragem, mas contenção. O excesso de tramas paralelas, os retornos calculados e as conexões forçadas diluem o que antes era provocação em produto. No fundo, o que The Boys fazia com cinismo e inteligência — rir de um sistema enquanto o infiltrava — Gen V agora reproduz com conformismo e autoparódia.

Se há algo a lamentar, é que o próprio espírito de transgressão parece ter se tornado parte do marketing. E quando o subversivo é absorvido pelo mainstream, o que resta é apenas mais uma peça da engrenagem, pintada com sangue e ironia. 

A segunda temporada já está disponível no Prime Video.

Avaliação - 6/10

Comentários

  1. Gabriel Aguiar26/10/25

    O último episódio é muito fraquinho e a série só melhora lá no quarto.

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  2. Geovane Silva26/10/25

    Vai ser interessante a última temporada de The Boys após os acontecimentos daqui.

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