(MOSTRA SP) Crítica | Como Fotografar um Fantasma - Um curto delírio metafísico sobre o que resta de nós quando a imagem se dissocia da carne.

Divulgação | Monarch Kaleidoscope

• Por Alisson Santos 

Há diretores que filmam o real. Outros filmam o sonho. Charlie Kaufman, porém, insiste em filmar o intervalo — esse espaço tênue e pulsante onde a vida e a morte trocam de roupa, onde a lembrança é mais concreta que o corpo. Como Fotografar um Fantasma é exatamente isso; um curto delírio metafísico sobre o que resta de nós quando a imagem se dissocia da carne.

O filme se passa numa Atenas espectral, onde os vivos e os mortos se misturam como reflexos que esqueceram quem copia quem. Anthi (Jessie Buckley), uma fotógrafa, e Rateb (Josef Akiki), tradutor de Tucídides, vagam pela cidade após suas próprias mortes. O que Kaufman constrói, no entanto, não é uma narrativa de passagem ou redenção, mas uma elegia sobre o peso do existir. As ruas, cheias de pessoas que já se foram, se tornam um espelho da memória coletiva; cada rosto é uma lembrança projetada, cada polaroide é uma tentativa desesperada de provar que algo sobrevive ao esquecimento.

A estética do curta é um poema visual sobre a dissolução. A câmera de Michal Dymek flutua, hesita, desfoca, como se recusasse a aceitar que o mundo tem bordas. O real se curva e o invisível invade a imagem, a lente parece literalmente assombrada. Kaufman, com sua costumeira ironia triste, transforma o ato de fotografar em um gesto filosófico; registrar o fantasma é admitir que tudo é passageiro, inclusive a própria lembrança.

Há ecos evidentes de "Synecdoche, New York" (2008) e "Anomalisa" (2015)— o homem tentando encontrar sentido na ruína da percepção —, mas aqui a densidade se condensa em apenas 27 minutos. É como se Kaufman tivesse comprimido uma vida inteira de culpa e contemplação em um curto sonho lúcido. A montagem de Robert Franzen e Jon Daniel alterna material original com imagens de arquivo, costurando o tempo em um colapso constante; passado e presente se confundem até que a história se torne um único suspiro.

Divulgação | Monarch Kaleidoscope

O roteiro de Eva HD (que também narra) opera como voz da consciência do filme — não apenas descrevendo, mas julgando, questionando, dissolvendo certezas. Ela dá ao curta uma musicalidade de elegia grega, em que os mortos falam como quem já entendeu tarde demais que o significado é uma invenção dos vivos.

Kaufman, aqui, não quer emocionar. Ele quer apagar. Apagar o ego, a cronologia, a ideia de progresso. Há uma cena em que Anthi tenta fotografar outro espírito, e a imagem simplesmente não sai. O branco da polaroide se torna o símbolo perfeito da impossibilidade de capturar o que já é ausência. É nesse vazio que o curta encontra sua beleza; o ato de lembrar não é preservar — é inventar o que nunca existiu direito.

Em Como Fotografar um Fantasma, morrer é um gesto estético. Viver, por outro lado, é o maior dos delírios. Kaufman constrói um curta que se recusa à melancolia convencional, preferindo o absurdo sublime de uma existência que continua mesmo quando não há mais ninguém para testemunhar.

O curta-metragem Como Fotografar um Fantasma será exibido juntamente com as sessões dos filmes "Anomalisa" e "Sirât" na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Avaliação - 8/10

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