Crítica | Alien: Earth - Episódio 4: Observação

Divulgação | Disney+

• Por Alisson Santos 

O quarto episódio de Alien: Earth, intitulado “Observação”, é talvez o mais corajoso e também o mais arriscado até aqui. Não porque nos ofereça a violência explícita ou o espetáculo visceral que sempre marcaram a franquia, mas porque se atreve a parar. No lugar de xenomorfos surgindo das sombras, temos diálogos demorados, reflexões quase filosóficas e imagens que soam mais metafóricas do que narrativas. A decisão pode frustrar quem esperava uma escalada contínua de ação, mas revela um olhar consciente de Noah Hawley sobre o que significa expandir o universo de Alien para além do horror corporal e do suspense claustrofóbico.

O episódio se constrói em torno da pausa, mas não uma pausa vazia; trata-se de uma suspensão do movimento para encarar a monstruosidade em outro plano, o da ética. Se antes a ameaça vinha de fora, agora ela pulsa nos laboratórios da Prodigy, na voz calma de Arthur quando diz a Dame Sylvia que, se o processo for feito de forma errada, não estarão apenas manipulando identidades, mas possivelmente matando seis crianças. Essa frase atravessa toda a narrativa como um sussurro incômodo; o que significa transferir a consciência de alguém para um corpo sintético adulto? Estamos prolongando a vida, ou criando uma ilusão de continuidade? Os Garotos Perdidos são crianças renascidas ou apenas cópias convincentes? O episódio levanta a pergunta, mas o roteiro, talvez com pressa de avançar, oferece respostas demasiado rápidas. É aí que "Observação” tropeça; ao invés de deixar o público se perder no desconforto do não saber, aponta caminhos que soam definitivos demais, quase uma explicação científica para algo que deveria permanecer como angústia existencial.

A atmosfera criada pelas escolhas visuais amplia esse desconforto. Pela primeira vez, saímos dos corredores da base e somos confrontados com a selva tropical ao redor da instalação. A natureza exuberante contrasta com a artificialidade das experiências humanas, criando uma ironia visual poderosa; enquanto os cientistas tentam redesenhar a vida, a própria vida os observa em silêncio, indiferente, quase zombeteira. Essa imagem é simbólica e essencial para entender o episódio. A selva, em sua imensidão, não precisa provar nada; já os humanos, presos em sua ânsia de controle, reduzem a vida a corpos intercambiáveis, como se fossem peças de laboratório. É aqui que o episódio encontra sua maior força; na sugestão de que o verdadeiro horror não está nos monstros alienígenas, mas no gesto humano de tratar o sagrado como descartável.

A criatura apelidada de “olho-polvo” é outro exemplo disso. O momento em que ela assume o corpo de uma ovelha poderia ser apenas mais uma cena grotesca, mas na verdade funciona como uma parábola. O animal, agora possuído por outra consciência, se torna reflexo grotesco dos próprios Garotos Perdidos, que habitam corpos que não nasceram com eles. A diferença é que a criatura parece aceitar essa transição sem questionar sua identidade, enquanto as crianças são assombradas pela dúvida. Essa justaposição coloca Kavalier em evidência; o cientista que acredita controlar suas criações, mas que enxerga nelas apenas estatísticas, nunca humanidade. O episódio o expõe como herdeiro do mito de Ícaro — alguém que voa alto demais, sustentado por asas frágeis de arrogância.

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O ponto mais controverso surge com Wendy (ou Marcy) e sua estranha capacidade de se comunicar com um xenomorfo recém-nascido. Para alguns, é um passo perigoso que pode diluir a mitologia da franquia; para outros, é a revelação que faltava. Narrativamente, funciona porque não aparece do nada, e simbolicamente é ainda mais rico; Wendy e o alien compartilham a mesma condição, ambos são deslocados, ambos sobreviveram apenas porque tiveram de nascer em corpos que não lhes pertenciam. Essa comunicação proibida é menos sobre um dom e mais sobre empatia, um reconhecimento silencioso entre dois seres condenados a existir na margem. É a primeira vez que a franquia sugere que talvez a barreira entre humano e monstro não seja tão rígida quanto acreditávamos, e é justamente por isso que o momento causa desconforto.

O episódio encerra com uma escolha estética que reforça essa leitura; a canção “Ocean Size”, do Jane’s Addiction, ecoando enquanto Wendy e o xenomorfo trocam algo que talvez seja uma conversa, talvez apenas um murmúrio de sobreviventes. A letra, que fala sobre o desejo de ser grande, inabalável e independente, dialoga com a condição da menina, que luta para ser reconhecida não como um experimento, mas como alguém de valor. Nesse detalhe musical, Hawley costura a melancolia do episódio; no fundo, "Observação" é sobre a adolescência, sobre o instante em que se percebe que o mundo quer moldar você em algo que talvez nunca tenha escolhido ser.

“Observação” é um episódio divisivo porque abdica da ação para mergulhar na contemplação. Ele tem a coragem de trazer o horror para dentro da mente, questionando identidade, humanidade e destino, mas por vezes se trai ao oferecer certezas rápidas demais. Ainda assim, suas imagens — a selva que vigia, a ovelha possuída, a menina que sussurra para o monstro — permanecem vivas muito depois do fim dos créditos. Se a função de um episódio de transição é preparar terreno para o que vem, este o faz de maneira simbólica e inquietante, lembrando que a força da franquia Alien nunca esteve apenas no sangue ácido ou nas garras afiadas, mas na capacidade de nos obrigar a encarar o que significa, afinal, ser humano.

O quarto episódio já está disponível no Disney+.

Avaliação - 7/10

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